Camaradagem e cooperação: Estamos fadados a perdê-las?

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Por Fabiana Arreguy *

Desde que comecei a conhecer e a trabalhar pela cultura cervejeira no Brasil, o que mais me impressionou foi o espírito aberto e cooperativo entre todos. Para mim era um mistério entender como microcervejeiros, a princípio concorrentes entre si, pudessem se ajudar e opinar nos projetos uns dos outros. Também achava incrível o incremento que esses mesmos microcervejeiros se propunham a dar aos homebrewers, emprestando não só insumos, mas principalmente conhecimento. A união dos cervejeiros caseiros também me encantou desde sempre.

Outra das coisas que me impressionaram muito quando passei a transitar nesse meio foi o acolhimento que recebi dos que já faziam história por aqui. Do nada, uma jornalista que ainda se propunha a aprender sobre essa cultura, fui recebida de braços abertos, com a boa vontade de pessoas renomadas em me ensinar. Aos poucos percebi que esse acolhimento era moeda corrente, não um privilégio para poucos. Todos os que se propunham a lutar pela implantação da cultura cervejeira no Brasil eram incorporados ao grupo como se sempre estivessem ali.

Isso aconteceu comigo há apenas dois anos… tempo que considero curto para o tanto que a cultura cervejeira avançou no país e, pessoalmente falando, para o tanto que eu evoluí em conhecimento.

Discórdias vazias e destrutivas à vista

Voltando de dois grandes eventos cervejeiros – Brasil Brau e o Concurso Nacional de Cervejas Artesanais – fico feliz em perceber que o clima de camaradagem ainda existe, mas não posso deixar de lamentar que outro clima, infiltrado, de trolldiscórdia vazia, comece a mostrar seus tentáculos. Digo isso porque a cada dia leio nas redes sociais polêmicas idiotas, que não fazem crescer a ninguém.

Sou jornalista por formação e como tal entendo perfeitamente o que é fato e o que é tentativa de criar um fato. É o que chamam por aí de ” causar”. Pessoas que não têm nada a dizer, não constroem nada, não têm nada de novo a oferecer e, por isso, inventam moda para aparecer! Opiniões não fundamentadas, críticas com desconhecimento de causa, comparações absurdas, avaliações de cervejas alheias sem o menor respeito pelo trabalho do cervejeiro estão se tornando comuns no twitter, no Facebook. E eu pergunto: onde é que está a responsabilidade?? Colocar palavras não ditas na boca dos outros deixou de ser calúnia? Dar uma versão de um fato sem direito à defesa dos envolvidos é ético?

Pra divergir, é preciso conhecimento

Não sei aonde se pode chegar com atitudes assim. Estamos tão no início da construção da cultura cervejeira do Brasil, será que é momento de divisões? De separações por castas de mulheres, de homens, de degustadores oficiais, de credenciados no BJCP? Eu acredito que não. Gosto de pensar que estamos nos fortalecendo por meio da união. Querodiscordia poder afirmar que a cultura cervejeira é evoluída, menos mesquinha, menos pobre, que preza pela ética e pelo respeito às opiniões divergentes.

Divergências são saudáveis. A partir delas é que nasce o consenso. Mas para divergir é preciso conhecimento de causa, é essencial se inteirar do contexto que vivemos. Não basta postar uma afirmação bombástica nas redes sociais e esperar que todos comprem a idéia. No máximo o que se vai conseguir é provocar celeuma e antipatia. No final ninguém ganha, todos perdem com as relações deterioradas.

Ética, gente! Vamos crescer, vamos firmar a cultura cervejeira no Brasil, mas sem perder o respeito, a responsabilidade, a camaradagem e o companheirismo que nos distinguem.

———————-

* Fabiana Arreguy é jornalista e sommelier de cervejas pela Doemens-SENAC. Semanalmente, ela comanda a coluna Pão & Cerveja,fabianaarreguy que vai ao ar todas as sextas-feiras às 11:45 da manhã pela rádio CBN de Belo Horizonte (106,1 FM). Ouça ao vivo o programa ou curta os programas anteriores gravados e disponibilizados aqui no blog pelo BREJAS. Para a experiência ficar completa, acompanhe também o Blog Pão & Cerveja.

14 Respostas para “Camaradagem e cooperação: Estamos fadados a perdê-las?”


  • Isso parece inevitável em qualquer setor que apresenta grande crescimento. Entre os homebrewers ainda não percebi tais picuinhas e espero não perceber.

  • 2 Sergio Pimentel

    Muito mais do que lançar palavras ao vento, é preciso antes “saber” falar e muitos mais saber “ouvir”. Não só no setor das brejas, mas como em tudo nessa vida, é preciso ter o mínimo de conhecimento de causa para saber falar e para saber ouvir.
    É isso aí Fabiana, parabéns pelo artigo. Soube falar muito em poucas palavras!

  • Belo texto, Fabiana! Ética acima de tudo, até para criticar. No entanto, ainda acredito que a crítica construtiva bem fundamentada tem lugar na construção de um cenário cervejeiro no Brasil. O problema é que tem gente que acha que uma crítica ou uma opinião contrária são ofensas pessoais. Temos que aprender a criticar e também a ser criticados.

  • Boa Fabiana.
    O movimento cervejeiro nacional já é um fato.
    O que é preciso para sustentar este movimento são posicionamentos de pessoas, como você, com acesso aos meio de divulgação, que entendem o movimento, suas dificuldades e outros pontos que muitas vezes criam polêmicas.
    A CERVEJA enquanto cerveja, só cria camaradagem.
    Quando é negócio, dinheiro, prestigio precisa(am), de toques como o que foi dado para não perder o fóco.
    Muito obrigado!

  • Parabéns pelo texto Fabiana!
    Infelizmente percebo isso também acontecendo nas redes sociais, um querendo mostrar maior conhecimento que o outro, como se fosse uma competição. Realmente não precisamos disso agora, e sim unirmos forças para uma cultura cervejeira consolidada.

  • Todos tem o direito de criticar, cabe ao interlocutor não se deixar influenciar pela crítica mal formulada ou leviana. Mas parece que os “especialistas” do ramo gostariam de impor uma meritocracia para avaliar a opinião alheia, que nunca será embasada o suficiente. Nesta perspectiva o consumidor comum, que não é blogueiro, não é cervejeiro caseiro nem fez o curso do Senac/Doemens, será sempre o menos entendido, com a opinião mais irrelevante. Neste mercado parece que os únicos consumidores que tem a opinião levada a sério são os que apenas elogiam…

  • Fernando,
    Respeito sua opinião, mas acho que você está generalizando. Nem todos os “blogueiros, cervejeiros caseiros ou os com curso do Senac/Doemens” podem ser enquadrados no que você disse.
    O próprio Ranking do BREJAS está aí pra desmentir sua generalização. Aqui não há apenas profissionais, mas também degustadores amadores emitindo opiniões. Em ambos os casos, não há apenas elogios, e todas as opiniões são levadas a sério.
    Um abraço.

  • Salve o BREJAS, Maurício !!! Você tem razão, é neste site que nós consumidores podemos trocar experiências de forma direta, inclusive o pessoal que costumava desmerecer a opinião dos outros não tem mais aparecido nos fóruns. Como frequentador assíduo devo dizer que esse espaço tem reafirmado sua independência editorial a cada lançamento, evento ou polêmica. Só tenho a impressão que nos últimos tempos o pessoal “da indústria” tem mantido distância daqui…

  • 9 Eduardo - Alenda Bier

    Oi Fabiana,
    Ótima matéria.
    Abração

  • Fabiana, muito legal seu depoimento.

    Na minha percepção de consumidor apaixonado pelas artesanais e micros, há dois fatores fortes influenciando esse cenário.

    Um deles é: cervejas especiais estão na moda. Muita gente é atraída pelo hype e quer dar uma de especialista.

    Outro fator é que as ferramentas sociais dão maior visibilidade às opiniões e às besteiras. Acho que elas sempre estiveram por aí, mas agora são mais visíveis.

    Junte esses dois fatores e temos o cenário atual: muita opinião sem fundamento, mais gente brigando pra aparecer, mais visibilidade pra tudo isso e para as posições tacanhas e individualistas.

  • Fabiana, parabéns pelo ótimo trabalho.
    No mais, é aquilo: “haters are gonna hate”. Mansos cordeirinhos se transformam em terríveis trolls em frente ao teclado. Não há o que fazer, senão deixar os trolls urrarem. Mas eles não mordem.
    Um abraço!

  • 12 Alexandre A. Marcussi

    Bons – e necessários – comentários, Fabiana. Ética profissional, seriedade e respeito são necessários para regular a convivência em qualquer meio, e o mercado cervejeiro não é exceção. Agora, isso vale para todos os envolvidos, em todas as direções: não adianta exigir ética em relação ao seu trabalho ou de amigos e depois não ser ético com a opinião ou com o trabalho alheio, por menos que vc concorde com ele. Sem isso, o discurso da ética vira pura retórica vazia e serve apenas para continuar legitimando cisões, divisões, fronteiras, distinções, discriminações etc. Tenho medo de que o discurso da ética e da camaradagem também já esteja virando uma retórica vazia nas mãos de algumas pessoas: prega-se a ética, mas ela só vale para o outro.

    Agora, criticar e faltar com ética são duas coisas muito muito diferentes e não podemos confundir. Uma das grandes lições que aprendi com um dos meus mestres de ofício foi que a melhor forma de mostrar respeito pelo trabalho de um colega é criticá-lo com rigor e respeito, dentro das suas capacidades. O texto da Fabiana, como eu o entendi, está falando de falta de ética, e não de críticas sérias e transparentes, que na verdade são uma demonstração de respeito.

  • É por essas e outras que eu sou fã confessa do Marcussi, não apenas pelo seu conhecimento cervejeiro, mas também pelo conspícuo bom senso que normalmente emana de sua prosa elegante! 😉

  • 14 viccenzo carone

    Perfeito Marcussi, criticar é diferente de agredir. Não existe falta de ética em apontar suas considerações sobre defeitos e qualidade, mas respeito é completamente necessário, temos que ter em mente o esforço realizado pelo profissional em qualquer situação e além disso termos em vista nossos próprios preconceitos e subjetividade, para perceber que muitas vezes nossas percepções nada mais são que opiniões pessoais. Além disso concordo plenamente com o Maurício sobre o papel do brejas e a importância do espaço para o degustador amador. Sou apreciador do nobre líquido e tenho consciência do amadorismo de minhas experiências gustativas. Sei que profissionais com cabedal teórico e experiência profissional possuem instrumentos mais elaborados para suas apreciações, o que não significa que eu e outros amadores não devemos ser ouvidos, e não estejamos fazendo a nossa parte para a consolidação da cultura cervejeira. Fraternidade e respeito acima de tudo pessoal! Vamos manter esse nosso pequeno universo que sempre foi tão simpático e convidativo da maneira como ele é!

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