Análise sensorial de “on-flavors” na cerveja

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Por Márcio Rossi.

neconflavours

Texto de Marcio Rossi, correspondente especial do BREJAS em Belo Horizonte (MG).

Durante o curso de processos cervejeiros com Paulo Schiaveto em Junho 2009 ele comentara, sempre bem humorado, que o treinamento em análise sensorial formava “caçadores de defeitos”. É verdade. Quem produz cerveja, em qualquer escala, busca de toda forma evitar que “flavors” indesejáveis prejudiquem o resultado. Isso tem seu sentido, afinal uma vez eliminados os defeitos, o que restar há de ser bom. Mas os holofotes ficaram apontados para os defeitos, ou off-flavors, dando-lhes muito mais literatura e conhecimento que sobre aromas, sabores e sensações que efetivamente nos interessam na cerveja.

Foi essa percepção que motivou o casal de biólogos Gabriela Montandon e Paulo Patrus da Cervejaria Grimor a desenvolver um curso de análise sensorial voltado para aquilo que se deseja em determinada cerveja. A idéia foi prontamente abraçada pelo Marco Falcone da Cervejaria Falke; a experiência do casal em eventos anteriores de análise sensorial somou-se à vasta experiência do Mestre Falcone para criarem  juntos o NEC, Núcleo de Estudo da Cerveja.

 

Foram meses de pesquisas, estudos e reuniões para formatar o Curso NEC de Análise Sensorial de On Flavors na Cerveja. A brincadeira do “on flavors”, na verdade um termo inexistente, teve o objetivo de romper com a visão de que análise sensorial seja treinamento em “off flavors”. O curso toma toda uma tarde de sábado. Os participantes se encontram em um ponto de  Belo Horizonte, por vezes pouco antes do horário para um “aquecimento” com um almoço, tira-gostos e até mesmo uma cervejinha. Esta foi a terceira edição do curso cujas vagas se esgotam em horas.  A turma se encontrou no Rima dos Sabores onde o chefe e cervejeiro Juliano serviu um fenomenal Pacu ao mollho barbucue. De lá parte-se para a Falke Bier em uma van contratada pela organização; essa é uma coisa da qual o NEC não abre mão: todos devem sair e retornar com a van por dois motivos: segurança, afinal estamos saindo para beber, e integração porque o papo corre animado (mais na volta que na ida, é verdade).

Chegando à Falke há uma deliciosa visita guiada pelo próprio Marco Falcone às instalações da cervejaria, inclusive à cave onde matura a Monasterium. Concluída a visita, começa o curso em si no maravilhoso espaço degustativo da Falke, preparado especialmente para esse tipo de evento, inclusive com atenção a fatores como iluminação e ventilação. Parte da sala de aula segue metodologia de uma análise sensorial normal, usando inclusive produtos da Flavor Active cujas cápsulas contendo um determinado flavor isolado são adicionadas em um cerveja neutra produzindo concentrações 3 vezes superiores ao limiar médio de percepção. A amostra “batizada” é comparada a mostra padrão neutra.

As semelhanças encerram-se aí. Enquanto evoluem os trabalhos, uma apresentação detalhando cada flavor com sua estrutura química e formação no processo cervejeiro proporciona ao participante informações preciosas sobre sua origem como atuar no processo para favorecê-lo. Nesse módulo foram dissecados 5 flavors: grainny, fenólico “cravo”, acetato de isoamila “banana”, amêndoa (almond) e spicy. Finalizados os estudos, inicia-se uma sessão de degustação com cervejas reais onde os flavors analisados estejam naturalmente presentes. Neste módulo foram as cervejas Falke Pilsen, Weiss e Monasterium. Feito isso, o Marco abre a porteira, quer dizer, a chopeira, par a turma se servir a vontade com toda a linha Falke de cervejas.

Enfim, o evento em si é já um sonho de consumo cervejeiro: visita à fábrica, aprendizado, diversão e cerveja da melhor qualidade. Esta edição contou ainda com a agradável presença do mitológico mestre cervejeiro Paulo Schiaveto entre os participantes. Paulo contribuiu com exemplos e casos de sua vastíssima experiência cervejeira, além de ajudar os colegas com dicas e orientações.

Durante o curso, várias revelações surpreendiam a turma. Explico. Ninguém fala, no cotidiano, em acetato de isoamila para referir-se ao sabor de  banana, é banana e pronto. Nossa experiência nos dá referências conforme se manifestam determinados aromas e sabores nos alimentos que conhecemos. Ninguém sai por aí falando em cadeias aromáticas e química orgânica para descrever uma sensação degustativa. Pegando emprestado o termo utilizado por um colega – biblioteca de referência degustativa – montamos as nossa conforme nossa experiência, que é marcadamente influenciada por fatores culturais, locais e mesmo emocionais. No caso da banana, presente na vida e dieta da maioria dos brasileiros, fica fácil para nós fazermos essa associação quando nos deparamos com o acetato de isoamila; talvez um povo de outra cultura não tenha a mesma facilidade e recorra a outras referências para identificar exatamente a mesma coisa. E vice-versa. Quem já passeou pelo BJCP, um dos padrões mundialmente adotado para identificação dos estilos de cerveja, deve ter notado a predominância de referências da cultura americana: framboesa, amora, cerejas, apricot, etc. e mais especificamente os que nos assombraram: amêndoas (almond) e spicy.

Sim, assombraram. A maioria de nós quando lia o BJCP  e encontrava “almond” e “spicy” pensava logo na tradução literal, amêndoas e condimentado… Pois é. Eis que, ao provar esses flavors, as referências que vieram foram completamente diferentes: almond remetia para uns a cereja em conserva, (aquelas comuns em confeitaria), AS/Melhoral infantil… Spicy? Baunilha defumada… Essas descobertas foram fantásticas porque eram imediatamente associadas a sabores e aromas que já conhecíamos na cerveja e não sabíamos definir dessa forma. O próprio Falcone descobriu assim, após anos, que sua Monasterium possui “almond”. Como destacou o Paulo Patrus, é muito subjetiva a associação que cada um faz, por vezes também cognitiva e emocional, com sabores e aromas remetendo à infância.

Além disso, tem a sensibilidade de cada um, maior ou menor para determinados flavors. O Mestre Schiaveto exemplicava que há inclusive um teste que degustadores profissionais fazem para saber quais flavors identificam com facilidade ou dificuldade acima da média de forma a corrigir suas impressões pessoais e fornecer uma nota coerente com a média. Por exemplo, um degustador sabe por experiência que é extremamente sensível a diacetil e portanto, ao perceber um leve diacetil, ele sabe que para a média não haveria nenhum e pode desconsiderar o defeito em um julgamento. Na grande industria isso é vital pra que cervejas degustadas por avaliadores diferentes convirjam para o mesmo padrão.

Aprendemos muito e mais que tudo, nos divertimos bastante em companhia de primeira e excelente cerveja. Longa vida ao NEC, que venham novos módulos e edições!!!

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