Carta de Blumenau: Muitos acertos e alguns erros

24 Comentários
1.124 visitas

Marcelo Carneiro (Cervejaria Colorado) lendo a Carta de Blumenau

Movimento legítimo e oportuno

Durante o Festival Brasileiro da Cerveja ocorrido semana retrasada em Blumenau (SC), diversos cervejeiros mobilizaram-se para produzir e assinar a Carta de Blumenau, documento aberto endereçado ao governo federal, que pretende alertar a classe política sobre a injustiça fiscal pela qual vem padecendo o setor das microcervejarias brasileiras.

O objetivo do documento, em linhas gerais, é o atendimento de justas reivindicações dos cervejeiros (assista ao filme ao final deste post), e a motivação do movimento é nobre. Realmente, a se perpetuar a absurda carga tributária imposta às microcervejarias, a tendência é de fechamento de muitas empresas do setor, impactando empregos, turismo regional — e, de roldão, a própria cultura cervejeira ainda nascente neste país.

Este site BREJAS, e este escriba em particular, sempre foram militantes dessa causa — especialmente pela inclusão das microcervejarias no regime tributário do Simples Nacional — bastando consultar publicações passadas neste espaço. Todavia, em que pese a justiça da causa como um todo, há escorregões no movimento deflagrado semana retrasada, que merecem ser postos à discussão construtiva.

Protecionismo cervejeiro

Em dado momento do texto, há a frase: “Nos últimos tempos também temos sido afetados pela importação desenfreada de cervejas de qualidade duvidosa a preços baixos, de países sem nenhuma tradição cervejeira, como a Rússia, a Lituânia, a Jamaica etc. Essas cervejas vêm para o nosso mercado apenas para competir com o preço, pois no critério qualidade, as nossas são imensamente superiores“.

Trata-se de uma afirmação infeliz e desnecessária, a suscitar perguntas: Quem possui o direito de julgar “duvidosa” a qualidade das cervejas importadas — e, portanto, indignas de entrar no “nosso mercado”? Qual a razão do preconceito com os “países sem nenhuma tradição cervejeira”? Há países no mundo sem qualquer “tradição cervejeira” que vêm produzindo cervejas de reconhecida qualidade, como a Itália e, vejam só, o próprio Brasil! Dizer que as “nossas” cervejas são “imensamente superiores” é de uma imprecisão — pra não dizer arrogância — absurda, a estereotipar cervejas de alguns países estrangeiros como sendo “ruins” e todas as nacionais como superiores — o que, evidentemente, está longe de ser verdade.

Caso queira realmente crescer, o setor microcervejeiro brasileiro precisa ver-se livre de tentações protecionistas. É o que vem ocorrendo recentemente com o setor vinícola nacional, com o aumento do imposto de importação dos vinhos estrangeiros por pressão política dos produtores daqui. Como resultado, em represália ao absurdo, vários restaurantes estrelados vêm suprimindo em suas cartas os vinhos brasileiros, expondo o setor à execração nacional.

Os microcervejeiros brasileiros não podem cair na mesma armadilha burra. Requerer apoio do governo federal ao setor é pleitear menos impostos, desoneração de folha de pagamento, apoio em programas fiscais e outras frentes. E não barrar produtos estrangeiros sob alegações infundadas e vagas, como pretensa falta de qualidade e preço baixo.

Os blogueiros querem ajudar!

O movimento da Carta de Blumenau também chamou a atenção pelo improviso. Estive em Blumenau desde o início do evento, e só soube do que estava para acontecer poucas horas antes da assinatura da Carta.

Não falo apenas por mim: Quase todos — senão todos — os integrantes do coletivo Blogueiros Brasileiros de Cerveja (BBC) também não tinham nenhuma informação. Caso soubéssemos de antemão, poderíamos organizar, por exemplo, um “tuitaço” a exemplo do que aconteceu em maio de 2011 com a ação #cervejadeverdade, cuja hashtag permaneceu por um dia todo entre as mais acessadas do Twitter nacional. Ou outras ações análogas, objetivando dar maior visibilidade ao movimento dos microcervejeiros.

Infelizmente, apesar das indiscutíveis boas intenções, o que ficou evidenciado no movimento Carta de Blumenau foi o afogadilho e a tão decantada desunião dos microcervejeiros brasileiros, desprovidos de qualquer entidade legalmente constituída que os represente politicamente. Até quando o setor ficará passivamente a depender apenas de ações esparsas, improvisadas e unilaterais?

Faço ardentes votos que essas minhas palavras não sejam mal-entendidas pelos microcervejeiros — afinal, para algumas pessoas, expressão crítico-construtiva de opinião significa ofensa. Assim como todos nesse barco, também só quero ajudar.

Assista à declamação da Carta de Blumenau, em filme produzido pelo cineasta Fabio Hofnik, e formule suas próprias conclusões. E, claro, comente à vontade!

24 Respostas para “Carta de Blumenau: Muitos acertos e alguns erros”


  • Como reivindicar uma melhor política de impostos sem se organizar politicamente? É hora do mercado entender sua força e se organizar, de verdade. Se profissionalizar, de verdade!

  • 2 Francisco José Meyen

    Maurício,
    Concordo com as suas palavras. Se me permite, também gostaria de fazer uma “correção” a uma menção sua. Quando você fala dos produtores de vinhos nacionais, que saíram de uma produção medíocre em quantidade e qualidade nos anos 60 para um produto com qualidade atestada aqui e fora do nosso país, estamos falando de alguns grandes produtores. O número é bem maior que o micro cervejarias. Eles cresceram sem apoio oficial e sem redução de impostos. Quando falamos de cervejas, produzidas em nosso país, estamos falando de quantos produtores diferentes? Descontando-se as micro cervejarias, algumas produzindo cervejas de excelente qualidade, sobram quantos produtores de cervejas? Dois, Três? E é claro que estes oligopólios fazem uma tremenda pressão sobre o governo justamente com a intenção de “afogar” as micro cervejarias em impostos. Para eles, como para alguns políticos brasileiros, quanto menos o povo souber, quanto menos conhecimento, menos alfabetização, melhor. Infelizmente é assim que eles pensam. Sobra mais para eles. Ou seria mais correto dizer, sobra só para eles? Enquanto não houver uma instituição com abrangência nacional, que fale em nome das cervejarias realmente nacionais, e que tenha poder junto ao governo federal, nada mudará.

  • Eu acho o seguinte. Esse mercado como ainda é relativamento novo, ainda levantam várias dúvidas. Concordo plenamente que criar alguma ação protecionista seja algo “burro”. Não é dessa forma que vamos conseguir ser grandes ou tradicionais em fabricação de cerveja. Impostos e encargos altos são uma realidade de todo empreendor brasileiro. Falo isso que conhecimento de causa. Uma vez que também sou empresário. Temos sim que prostestar contra isso. Chamar a tenção para as micros. Mas elas, as micros, precisam começar apensar como um grupo unido e não como concorrentes (apesa de serem). Jogar as culpas nas grandes cervejarias e importadoras também não é a solução. Certa vez, um dono de uma cervjaria que não vou citar o nome, me disse que nao tinha interesse em abrir para turistas porque esses só querem explorar. Acho que esse tipo de pensamento que precisa ser mudado. As pessoas precisam conhecer o mercado, para ai sim, começarem a buscar cervejas de custo mais elevado e quailidade idem.

  • A carta é um ótimo começo. Mas não deve ser a única coisa feita e nem esperar sentado o resultado. As cervejarias devem lutar por menores impostos e não buscar um “protecionismo” por parte do governo. Uma coisa é defender isenções ou menor valor de impostos para a microempresa do ramo; a outra é afirmar que “precisamos nos proteger das importações” pela origem do país produtor.

    E cervejarias e especialistas (blogueiros, sommeliers, mestres-cervejeiros, entre outros) devem sim, organizados, trabalhar unidos para mostrar que “a mais barata e mais gelada” não serve. Mas é necessário ter menos ego e mais união, é necessário ter organização.

  • Força política só se faz com militância ativa acerca da causa. Para termos militância, é preciso união. Uma vez isso alcançado (o que já é extremamente difícil), precisa mostrar a força, o poder dessa militância. Trocando em miúdos: quantos votos essa militância representa. Infelizmente é assim que funciona. E é assim que tem que ser feito. Qualquer coisa que saia disso é pensar de maneira romântica e ingênua.

  • 6 Fernando Carvalho

    A Carta é, per si, uma boa atitude, na medida que chama atenção para o problema e tenta mostrar alguma união. Mas está longe de ter uma relevância prática. Uma luta política depende da representatividade dos grupos de pressão envolvidos. Acredito que a primeira etapa de um movimento sério seria a formação de uma associação coesa e estruturada, capaz de amalgamar todas as visões e demandas do setor em um único discurso. Partindo-se disto poderia se iniciar um movimento envolvendo consumidores e profissionais, aparecer na mídia, ganhar energia política. Sem isso qualquer luta é apenas voluntarismo.

  • Complicado julgar a entrada de cervejas de outros países. Até porque, para o crescimento da cultura cervejeira nacional, a entrada dessas cervejas possibilita comparação, novos sabores (bons ou ruins), e mostra que tem gente preucupada em trazer coisas fora do “tradicional” para o mercado, o que eu acho muito legal. Nos ultimos anos recebemos pessoas importantissimas do meio cervejeiro internacional como Garrett Oliver, Randy Mosher, Gordon Strong e tantos outros… Imagina se eles resolvessem “não trabalhar” com as nossas cervejas pelo fato do Brasil não ser um país de “tradição cervejeira”? Criticar a importação, ao meu ver, não é o caminho. De resto, a carta está excelente e vamos torcer por uma resposta positiva!

  • Red Stripe é muito, mas muito melhor que uma pilsen oxidada com mandioca que se produz por essas bandas, melhor cenário de negócios sim, protecionismo nunca.

  • gostaria de me posicionar brevemente sobre o assunto. acho que é necessária uma profissionalização e não um acumpichamento com blogueiros. sinceramente, lendo as resenhas no ranking do brejas, um incauto pensaria que as cervejas brasileiras são as melhores do mundo. acho isso desconstrutivo, acho que isso forma uma espécia de cartel de cervejarias daqui que, abalizadas pelos “especialistas” mantem cervejas de qualidade mediana por um preço acima do aceitavel. não incentiva a concorrencia, nao incentiva um incremento na qualidade, pois “tudo está maravilhoso”… deve-se haver um aumento na cooperação e, de modo aparentemente paradoxal, um aumento na concorrencia! concorrencia! isso é um mercado, não um congresso de blogueiros.
    abraço

  • essa de falar mal das importadas foi um tiro no pé mesmo. e as importadas tambem tem altos impostos. o que deveria ser reivindicado nesta relação as importadas é que as nacionais penam pra conseguir registro no MAPA de cerveja com chocolate, lactose, mel ou com um nome e rótulo ousado. já as importadas entra qqer coisa sem muita dificuldade.

  • Felipe HF,
    Você leu o texto? Se leu, por favor, leia-o novamente. E de novo. Oferecer ajuda está longe de ser um “acumpichamento”. Se escrevi o texto é por admitir que nada está maravilhoso. E as avaliações favoráveis de cervejas brasileiras no Ranking é pras cervejas que os avaliadores acham boas, tem muita cerveja brasileira lá com nota baixa também.
    Já leu de novo o texto? Leia-o mais uma vez!
    Um abraço.

  • 12 Antônio Luiz Dal Forno

    Petersburgo, vc deve entender muito de cerveja, a ponto de conhecer um novo tipo de cerveja maravilhosa produzida na Jamaica! Pois eu que n tenho nada haver com a cerveja que vc descreveu como Oxidada, a qual eu já bebi por algumas vezes, e n considero de forma alguma a melhor cerveja do mundo, mas taxar como menos interessante do que o água de esgoto com gosto de papelão que vem da Jamaica, se trata de insanidad, ou preconceito direto a uma cervejaria!

  • Mauricio,
    Realmente a minha colocação não foi pertinente ao texto. Foi apenas um desabafo do que sinto e vejo ao longo do tempo em relação ao meio cervejeiro no brasil.
    Digo isso de forma construtiva, não estou atirando pra todos os lados para gerar polemica ou sei lá oq, como uns e outros.
    Talvez deva me posicionar quando essa discussão for colocada aqui no blog.
    um abraço

  • Excelente post.

    Para mim, a questão principal é … reduzir os impostos para que?

    Se os impostos – tanto federais quanto estaduais – são os grandes vilões do preço da cerveja, sendo eles retirados da equação, ou pelo menos tendo seu peso diminuído, deveria haver reflexo nos preços. É o que dita a lógica.

    No entanto, em momento algum a referida Carta de Blumenau cita essa palavrinha tão importante… consumidor. Fala-se en passant no consumidor apenas em relação ao consumo responsável, que é uma bandeira que não só as micro, mas as grandes cervejarias também já abraçaram (ex: Ambev e Heineken).

    Resumindo… A luta é para para que os consumidores finais tenham acesso a essas cervejas “imensamente superiores” por preços melhores que os praticados hoje ou apenas que as empresas melhorem suas margens de lucro?

    Em tempo: não conheço empresários que estejam no mercado por filantropia.

  • Ponderada, consistente e justa a análise. Realmente temos que nos organizar melhor, apesar do esforço hercúleo de poucos.

  • Brilhante, Maurício! Como sempre, brilhante. O respeito por sua capacidade de expor suas opiniões, mesmo estando em evidência no mercado e, com isso, sendo alvo mais fácil de críticas.
    Quem dera se as micro-cervejarias tivessem profissionais como você a frente delas.

  • Mestre Falcone e Mauro,
    Agradeço demais os elogios e tomo a liberdade de estendê-los ao site BREJAS como um todo (proprietários, avaliadores e foristas). Quem acompanha nosso trabalho desde 2007 sabe que sempre demos a cara pra bater. Ser alvo de críticas é resultado disso, basta filtrar críticas boas e construtivas das puramente invejosas.
    Um abraço.

  • Marcio beck, flou tudo

    “reduzir os impostos para que?”

    “A luta é para para que os consumidores finais tenham acesso a essas cervejas “imensamente superiores” por preços melhores que os praticados hoje ou apenas que as empresas melhorem suas margens de lucro?”
    .
    ” Estou quase seguro que se o governo baixasse (impostos), o preço das cervejas ficaria o mesmo”.

  • Dal Forno me desculpe mas a pilsen com mandioca que eu citei na minha opinião é ruim mesmo e todas as vezes que tentei tomar tinha problemas, pode ser que essa da Jamaica não seja tão melhor mas essa ser exemplo de qualidade me desculpe, e não é pessoal pois considero aquela outra com rapadura uma das melhores cervejas do Brasil.

    Menores impostos, menos burocracia e mais acesso a crédito é o mínimo que podemos esperar de um Governo decente.

  • 20 Edson Marquezani Filho

    Nossa, ridículo mesmo esse ataque às “importadas baratas”. Bem dor de cotovelo. Não esperava um nível de babaquice desse.

  • “Caso queira realmente crescer, o setor microcervejeiro brasileiro precisa ver-se livre de tentações protecionistas. É o que vem ocorrendo recentemente com o setor vinícola nacional, com o aumento do imposto de importação dos vinhos estrangeiros por pressão política dos produtores daqui. Como resultado, em represália ao absurdo, vários restaurantes estrelados vêm suprimindo em suas cartas os vinhos brasileiros, expondo o setor à execração nacional.”

    Exato! E cabe lembrar que o setor vinícola brasileiro só melhorou, exibindo vinhos de excelente qualidade quando aceitou concorrer. Nossas cervejas devem muito a abertura comercial e inspiração obtida. Imagine agora se muitas marcas encontrassem lá fora, o mesmo tipo de proteção estúpida que querem introduzir aqui?

    Parabéns pela coragem e lucidez.

  • Acho que o passo fundamental pra uma mobilização efetiva é realmente a articulação de uma instituição mais organizada. Será que não está na hora de os mais de 200 microprodutores brasileiros fortalecerem seus laços? Será que não é hora de estudar a construção da Brewers Association americana, aprender um pouquinho com eles?

    P.S.: Qualquer tentativa pontual de discriminar uma cerveja ou cervejaria se invalida sozinha, uma vez que passa pelo crivo da subjetividade de cada pessoa. Se você não gosta de uma dita cerveja, respeite a opinião dos que gostam, tão válida quanto a sua. Se a cerveja jamaicana, ou o que for, for muito pior que uma brasileira artesanal, não vai se sustentar no mercado nem a preço menor; não mais que que as BCBs. Se for melhor, que o mercado nacional responde de forma adequada, com produtos de qualidade cada vez mais apurada.

  • hummm… não sou do ramo de fabricação de cerveja – só as bebo. Acho que os preços praticados são muito elevados, às vezes proibitivos. Deve haver algo no caminho que precisa ser ajustado pra que a coisa fique mais popular, haja consumo e o ciclo se realimente.

  • A vida é uma merda mesmo…tudo é uma questão de opinião…o pessoal que curte cerveja está ficando mais chato que os enochatos do vinho. Fracasso a vista.

Deixe um comentário

Você deve logar-se para postar um comentário.



Anuncie

Anuncie no Brejas e divulgue o seu negócio:

Baixe nosso Mídia Kit

Entre em contato: [email protected]