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O meio cervejeiro é "machista"?

Respondido por Alexandre Almeida Marcussi no tópico O meio cervejeiro é "machista"?

Gabriel Rogel escreveu: Marcussi, o termo Brazilian Wax se refere a uma técnica, originalmente brasileira, de depilação, é uma tecnica muito dolorosa, como a maioria das depilações (homens também podem fazer depilação). Como se pode ver no texto ao lado, em inglês, a nome faz referência ao extremo da técnica de depilação e o extremo da cerveja, de 10.5% vol alc.


Gabriel, vou pegar carona no seu argumento para dar continuidade à análise do rótulo que você iniciou. A técnica mencionada pelo rótulo (Brazilian wax) é uma técnica dolorosa ou, como diz o rótulo, "extrema", porque consiste em remover a totalidade dos pêlos da virilha, deixando, opcionalmente, uma tira de pêlos acima da genitália (o famoso "bigodinho de Hitler"). Qual é o seu objetivo principal? Ela é feita para que a mulher use bikinis super cavados sem que nenhum pêlo apareça, e serve também para o apreço do/a companheiro/a sexual da moça. Bikinis, como sabemos, são trajes de banho que enfatizam a sensualidade do corpo feminino e permitem que ele seja objeto de apreciação estética, de natureza essencialmente erótica, prioritariamente da parte dos homens. Até aí, acho que estamos de acordo, certo?

Isso tudo pode ser inferido pelo nome do produto: Imperial Brazilian Wax. Passemos à imagem. O rótulo traz uma forma triangular invertida, de cor amarela (uma das cores da bandeira do Brasil), sobre um fundo marrom claro. Não é preciso ter muita imaginação para ver, no rótulo, a representação estilizada de um bikini amarelo no corpo de uma mulher. Se se trata da parte da frente ou da parte de trás do bikini, isso não pode ser determinado com certeza. A julgar pela curva nas faces inferiores do triângulo, meu palpite seria a parte de trás, com um bikini de modelo fio dental (outra coisa tipicamente associada ao Brasil, lá fora). Isso faz com que o fundo da imagem seja, necessariamente, a pele da mulher que veste o bikini. A coloração da pele, um marrom claro para médio, indica uma mulher muito bronzeada (já que o bikini é usado na praia) ou, mais possivelmente, uma mulher mulata. Ora, a mulata é um ícone da identidade brasileira desde, pelo menos, os anos 1930. Sabendo que a cervejaria está elencando elementos tipicamente nacionais na imagem (a cor amarela, a técnica associada ao Brasil, a praia, talvez o fio dental), acho razoável considerar que se trata da representação de uma mulata de bikini. Mas é a representação da mulata de bikini de corpo inteiro? Não. É a representação apenas e tão-somente da parte do quadril dessa mulher, enfatizando sua genitália ou (na minha interpretação), sua bunda. De qualquer forma, é preciso concordar que é uma representação eminentemente sexualizada da mulher em questão - mesmo que essa sexualização esteja "acobertada" por um trabalho formal de estilização da imagem.

Agora analisemos o texto descritivo do rótulo. E, aqui, eu traduzo para os que não entendem o inglês: "Há muito que os homens não entendem sobre as mulheres. Por exemplo, por que elas suportam tanta dor para corresponder aos ideais da sociedade moderna? Elas estão indo longe demais? Ou talvez os homens possam aprender uma ou outra coisa a respeito do comprometimento extremo das mulheres com a perfeição - seja beleza extrema, seja cerveja extrema - é tudo questão de gosto. Lembre-se de que, quando você beber esta stout extrema, ela pode doer um pouco, mas às vezes é preciso aguentar até o fim para ficar perfeito."

O texto começa fazendo uma referência à técnica de depilação, dizendo que as mulheres se submetem a ela para atender aos padrões da sociedade moderna. Ou seja, não é exatamente por vontade própria: é para atender padrões. [isso quem está dizendo é a Evil Twin, não sou eu, OK?] O texto igualmente sugere que a prática seria um "excesso" (ir "longe demais"). Na sequência, isso é confirmado: trata-se de um comprometimento "extremo", para se atingir uma "beleza extrema". Porque, para que a aparência da mulher fica "perfeita" ("right", no original), ela precisa sofrer.

Algumas coisas podem ser depreendidas da análise conjunta desses três elementos do rótulo (nome, imagem e texto):

1. Na visão do idealizador do rótulo, há uma associação estreita entre o Brasil e a sexualidade feminina, em especial aquele tipo de sexualidade que se oferece como objeto passivo de contemplação e de deleite sexual para os homens (por meio do bikini e da virilha lisinha). Essa sexualidade ainda se reveste de tons raciais, na medida em que a mulher que se oferece como objeto de satisfação erótica não é branca: ela é morena de sol ou, mais provavelmente, mulata. Isso evoca todos aqueles estereótipos historicamente construídos sobre o Brasil que eu já mencionei em outra postagem, e reforça a representação da mulher brasileira como sexualmente disponível para o deleite dos homens estrangeiros. Há um segundo subtexto aqui, num nível mais profundo de interpretação: o rótulo evoca, de forma sutilíssima, o secular lugar-comum do racismo de que as raças negras ou mestiças seriam mais sexualizadas e promíscuas. (quanto mais mexe, mais fede)

2. O rótulo sugere ainda que a busca da perfeição, por parte da mulher, deve envolver dor e submissão a padrões que não são totalmente volitivos. E o que significa, para a mulher, ser "perfeita"? Significa ser bela. Ou seja, ser objeto de contemplação para homens. A perfeição feminina não é representada em termos profissionais, éticos ou intelectuais, mas sim em termos físicos e, mais especificamente, eróticos e sexuais. A depilação é um procedimento doloroso ao qual a mulher precisa se submeter para ser "perfeita", ou seja, para poder usar um bikini cavado na praia e ser avaliada de forma positiva como objeto de satisfação erótica. Ninguém perguntou se ela deseja esse tipo de olhar ou aprovação masculina: ele é naturalizado como índice de avaliação da "perfeição" e índice de medição do valor e dos esforços da mulher.

Em termos muito resumidos: mulher tem que sofrer para atender ao deleite sexual dos homens. E, como corolário: mulher brasileira/mestiça tem que sofrer para atender ao deleite sexual dos homens estrangeiros/brancos. Quando uma cervejaria dinamarquesa usa essa imagem para seu primeiro (primeiro!) rótulo produzido no Brasil, o recado que ela dá, nas entrelinhas, é que isso é o que os estrangeiros estão esperando do Brasil e, mais especificamente, da mulher brasileira, em primeiro lugar. Todo o resto vem depois.

Desculpe a extensão do texto, mas resolvi fazer um exercício de análise semiótica para mostrar que tem um monte de subtextos muito, mas muito complicados nesse rótulo. E, antes que alguém diga: "mas ninguém vai ver isso", ou "você está achando pêlo em ovo", eu digo que tudo isso passou pela minha cabeça imediatamente quando eu olhei o rótulo pela primeira vez, não precisei fazer esforço para "enfiar" no rótulo o que não existia. Tenho certeza de que também passou na mente de muita gente que tem familiaridade com essas questões. Essas mensagens estão aí, de forma codificada, no rótulo, e alguém com capacidade de interpretação e leitura pode se dar conta delas conscientemente. Aqueles que não se derem ao trabalho de fazer esse tipo de análise semiótica, podem não perceber conscientemente essas mensagens, mas pode ter certeza de que elas vão continuar aí, e que o seu subconsciente vai ter entendido isso direitinho, mesmo que você não verbalize.
ocrueomaltado.blogspot.com
Porque cervejas são boas para beber, mas também são boas para pensar
9 anos 2 meses atrás #58831

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Respondido por Gbrl Qrz no tópico O meio cervejeiro é "machista"?

Como a Brazilian Wax é uma técnica de depilação da virilha, pra mim aquela imagem era claramente a parta da frente de um bikini. (não faria sentido usar o nome de uma depilação de virilha e mostrar uma bunda).

Achei que, da parte da Evil Twin, essa mudança de nome foi um puta tiro no pé. Se não mudassem, a polêmica teria sido ainda maior e teria dado a eles ainda mais publicidade. Pra mim certamente mais pessoas teriam tomado a Imperial Brazilian Wax que tomaram a Metro Man (que, aliás, também não teria um rótulo sexista? rs).
9 anos 2 meses atrás #58832

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Respondido por Eduardo Guimarães Insta @cervascomedu no tópico O meio cervejeiro é "machista"?

Gbrl Qrz escreveu: Como a Brazilian Wax é uma técnica de depilação da virilha, pra mim aquela imagem era claramente a parta da frente de um bikini. (não faria sentido usar o nome de uma depilação de virilha e mostrar uma bunda).

Achei que, da parte da Evil Twin, essa mudança de nome foi um puta tiro no pé. Se não mudassem, a polêmica teria sido ainda maior e teria dado a eles ainda mais publicidade. Pra mim certamente mais pessoas teriam tomado a Imperial Brazilian Wax que tomaram a Metro Man (que, aliás, também não teria um rótulo sexista? rs).


Nem toda polêmica traz frutos para a marca, Gbrl Qrz. Por acaso ontem à noite recebi um amigo que é um baita profissional da área de marketing aqui em casa (ele trabalha numa importante empresa que tem clientes nacionais e internacionais no Brasil) e mostrei um pouco dessa questão do rótulo para ele. Segundo ele, uma empresa brasileira trabalhar com imagens que podem vir a ser entendidas como algo que explora a sexualidade do corpo da mulher brasileira até vai (mas com muito cuidado, posto que é um pouco tenso), mas, agora, uma empresa estrangeira fazer isso é uma burrice (notadamente num setor onde mulheres representam parte relevante do público alvo), pois é altamente previsível para quem trabalha no ramo que as reações tendem a ser mais fortes. Em suma, se eles recuaram é porque perceberam que fizeram a leitura equivocada em termos de estratégia de marketing. No rótulo posterior fizeram uma provocação com a questão, o que é saudável numa sociedade democrática onde indivíduos podem através de grupos feministas se organizar para cobrar e uma empresa decide se acata ou não a demanda desses coletivos.
9 anos 2 meses atrás #58833

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Respondido por Gabriel Rogel no tópico O meio cervejeiro é "machista"?

Marcussi, entendo seus pontos, vc aparenta ter muita familiaridade com o assunto, talvez trabalhe ou leia muito sobre isso. Definitivamente não tenho contra argumentos para alguns dos seus pontos, mas o meu "achismo" (algo muito criticado na academia) é o meu guia em assuntos do dia-a-dia, assuntos em que não paro para fazer analises mais profundas (talvez isso fique mesmo com meu subconsciente). Sua analise é muito interessante, e não tinha me atentado para a cor do rótulo, uma alusão a uma morena.

De qualquer modo, mesmo concordando em parte com vc, acredito que a expressão é parte importante da nossa liberdade, e coloco um questionamento em pauta:
Culturalmente uma forma de expressão que pode ser ofensiva em uma cultura, pode não ser em outra, isso se dá pelos processos históricos que cada cultura passou, talvez, para um dinamarquês, vivendo nos EUA, não tenha nem passado pela sua cabeça ideias que para nos, brasileiros, podem ser ofensivas naquele rótulo.

O que eu desejo mesmo é que a cervejaria tenha toda possibilidade criativa para fazer boas cervejas, mesmo pq eles vão fazer uma Berliner Weisse, e eu estou querendo muito conhecer esse estilo ...

A discussão aqui me parece ter um ótimo nível, seria bom se todas fossem assim ...

Abraços

Saúde!
9 anos 2 meses atrás #58834

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Respondido por Gustavo Guedes no tópico O meio cervejeiro é "machista"?

Gbrl Qrz escreveu: Como a Brazilian Wax é uma técnica de depilação da virilha, pra mim aquela imagem era claramente a parta da frente de um bikini. (não faria sentido usar o nome de uma depilação de virilha e mostrar uma bunda).

Achei que, da parte da Evil Twin, essa mudança de nome foi um puta tiro no pé. Se não mudassem, a polêmica teria sido ainda maior e teria dado a eles ainda mais publicidade. Pra mim certamente mais pessoas teriam tomado a Imperial Brazilian Wax que tomaram a Metro Man (que, aliás, também não teria um rótulo sexista? rs).

eu tbm acho que o rótulo é a parte da frente do bikini. Contudo,vale lembrar que a depilação abrange a área toda da virilha inclusive o ânus.
Cerveja = Felicidade Líquida.
felicidadeliquida.blogspot.com.br/
9 anos 2 meses atrás #58835

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Respondido por Fernando Pires no tópico O meio cervejeiro é "machista"?

Como exemplo próprio, falo da ET Hipster Ale que faz menção às pessoas que seguem tendências e ditam moda. Ela é uma das APAs que mais gosto, e não costumo seguir tendências ou tentar ditar moda, mesmo estando aberto a provar novos sabores, sigo apenas o meu paladar. Não me identifico com o rótulo, nem com o dizeres dele, poderia eu me revoltar e deixar de bebê-la, fazendo protesto midiático, poderia. O que eu fiz: apenas achei graça, digo minha opinião rejeitando a identificação, mas continuo bebendo ela quando posso :whistle:
Last edit: 9 anos 2 meses atrás by Fernando Pires.
9 anos 2 meses atrás #58836

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