Como aprimorar suas avaliações de cervejas

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por Alexandre Marcussi*

Construindo seu vocabulário sensorial

Avaliar e descrever o que se bebe é uma das melhores portas para o maravilhoso mundo de experiências sensoriais oferecidas pelas cervejas. Ao fazê-lo, você não apenas consegue comunicar e compartilhar seu entusiasmo e sua experiência com as outras pessoas, como também se torna progressivamente mais atento e consegue extrair cada vez mais informações – e prazer – de suas degustações. Por isso, notas de degustação são uma importantíssima ferramenta de desenvolvimento do seu paladar e do seu gosto cervejeiro. Pessoais, privativas e guardadas a sete chaves; ou abertamente compartilhadas por meio de blogs e portais como o Brejas, isso pouco importa – o importante é registrar, auxiliando o cérebro na hercúlea tarefa da memória e do domínio sobre os sentidos.
Não se trata de tarefa fácil, contudo. O paladar e as palavras não são linguagens equivalentes, e é preciso algum grau de malabarismo para fazer o primeiro caber nas segundas. Muitos degustadores iniciantes sentem-se extremamente perdidos ao tentar verter em letras suas experiências com o copo. Pretendo que este seja o primeiro de uma série de artigos com a finalidade de auxiliar os colegas em sua silenciosa e solitária labuta para aprimorarem suas avaliações sensoriais de cervejas. O degustador iniciante encontrará aqui alguns caminhos e sugestões a seguir; o experiente poderá comparar seus procedimentos, retomar algumas ideias semiesquecidas e talvez até enxergar algumas coisas sob outra ótica. Afinal de contas, degustar é uma arte em constante aprimoramento, e quem quer que afirme ter chegado ao ponto final, é porque desistiu de continuar se desenvolvendo.
Julgar e descrever
Toda boa avaliação de cerveja precisa, necessariamente, partir de uma descrição rigorosa. É bem verdade que qualquer avaliação terá um forte teor de subjetividade, por envolver julgamentos acerca do que nos agrada mais ou menos. Contudo, nem tudo numa avaliação pode ser meramente subjetivo. Algumas pessoas podem achar que um determinado vestido azul de bolinhas amarelas é feio; outros podem considerar o mesmo vestido estiloso e encantador – isso não muda em absoluto o fato de que se trata de um vestido azul de bolinhas amarelas. Qualquer julgamento precisa, em primeiro lugar, estar ancorado em uma identificação correta das características objetivas da coisa a ser julgada.Não podemos nos propor a dar uma opinião consistente sobre algo sem sabermos descrever isso de forma minimamente rigorosa.
Avaliar e descrever o que se bebe é uma das melhores portas para o maravilhoso mundo de experiências sensoriais oferecidas pelas cervejas. Ao fazê-lo, você não apenas consegue comunicar e compartilhar seu entusiasmo e sua experiência com as outras pessoas, como também se torna progressivamente mais atento e consegue extrair cada vez mais informações – e prazer – de suas degustações. Por isso, notas de degustação são uma importantíssima ferramenta de desenvolvimento do seu paladar e do seu gosto cervejeiro. Pessoais, privativas e guardadas a sete chaves; ou abertamente compartilhadas por meio de blogs e portais como o Brejas, isso pouco importa – o importante é registrar, auxiliando o cérebro na hercúlea tarefa da memória e do domínio sobre os sentidos.
Não se trata de tarefa fácil, contudo. O paladar e as palavras não são linguagens equivalentes, e é preciso algum grau de malabarismo para fazer o primeiro caber nas segundas. Muitos degustadores iniciantes sentem-se extremamente perdidos ao tentar verter em letras suas experiências com o copo. Pretendo que este seja o primeiro de uma série de artigos com a finalidade de auxiliar os colegas em sua silenciosa e solitária labuta para aprimorarem suas avaliações sensoriais de cervejas. O degustador iniciante encontrará aqui alguns caminhos e sugestões a seguir; o experiente poderá comparar seus procedimentos, retomar algumas ideias semiesquecidas e talvez até enxergar algumas coisas sob outra ótica. Afinal de contas, degustar é uma arte em constante aprimoramento, e quem quer que afirme ter chegado ao ponto final, é porque desistiu de continuar se desenvolvendo.

Julgar e descrever

Toda boa avaliação de cerveja precisa, necessariamente, partir de uma descrição rigorosa.

É bem verdade que qualquer avaliação terá um forte teor de subjetividade, por envolver julgamentos acerca do que nos agrada mais ou menos. Contudo, nem tudo numa avaliação pode ser meramente subjetivo. Algumas pessoas podem achar que um determinado vestido azul de bolinhas amarelas é feio; outros podem considerar o mesmo vestido estiloso e encantador – isso não muda em absoluto o fato de que se trata de um vestido azul de bolinhas amarelas. Qualquer julgamento precisa, em primeiro lugar, estar ancorado em uma identificação correta das características objetivas da coisa a ser julgada.Não podemos nos propor a dar uma opinião consistente sobre algo sem sabermos descrever isso de forma minimamente rigorosa.

“Como assim, coloração marrom escura e espuma rala? Estamos bebendo a mesma cerveja?” Fonte: healthwatchmd.com

“Como assim, coloração marrom escura e espuma rala? Estamos bebendo a mesma cerveja?” Fonte: healthwatchmd.com

Assim como vestidos, cervejas também possuem características objetivas e indiscutíveis. Dois degustadores podem divergir dramaticamente em suas opiniões sobre determinado rótulo, mas precisam pelo menos chegar a um consenso sobre suas características objetivas, aquilo que indiscutivelmente está lá, dentro do copo. Ocorre que não estamos tão acostumados a usar palavras para descrever experiências gustativas e olfativas. Falar em cores e em formas (“bolinhas amarelas”) é fácil, mas como descrever o cheiro de um ambiente? Ou de uma cerveja?

Calibrar o vocabulário

Se estamos usando palavras para traduzir experiências sensoriais, a primeira precaução a tomar é ter certeza de que estamos usando as mesmas palavras para falar das mesmas coisas. Se eu uso a palavra “moreno” para indicar a cor do cabelo de um amigo, mas a outra pessoa entende que estou falando da cor de sua pele, isso obviamente vai causar um conflito de compreensão, que pode inclusive fazer com que a outra pessoa não reconheça a imagem do meu moreno amigo.

Com as cervejas ocorre o mesmo. Quando falamos, por exemplo, que uma determinada cerveja tem gosto de limão, é preciso nos assegurarmos de que estamos nos referindo à mesma coisa que as outras pessoas sentiram quando usaram a palavra limão. Senão, teremos apenas uma frágil ilusão de entendimento. Afinal de contas, a experiência de comer um limão envolve vários componentes: a intensa acidez da fruta, os vários aromas presentes em um limão, até a sensação na boca. Estamos falando exatamente do quê? Isso é o que os degustadores profissionais e sommeliers chamam de “calibrar o vocabulário”, e é o princípio de uma descrição correta.

Afinal de contas, o que é uma descrição correta? É talvez a mais detalhada? Ou a mais sintética? Possivelmente a mais objetiva, ou a mais opinativa? Nenhuma dessas coisas. Uma descrição correta é, simplesmente, aquela que poderá ser corretamente compreendida pelas pessoas. Não importa seu grau de detalhamento ou o quanto ela é opinativa. Para que ela possa ser compreendida, é preciso que as mesmas palavras sejam usadas e entendidas no mesmo sentido. Este é, inclusive, um dos grandes objetivos de qualquer curso de formação de sommeliers. Alguns cursos têm sido intensa e injustamente criticados ultimamente no meio cervejeiro porque muitas pessoas não se dão conta de um fato crucial: um curso de sommelier não pretende automaticamente formar um degustador com ampla experiência e conhecimento, mas sim calibrar o vocabulário de um grupo de degustadores para capacitá-los a elaborarem descrições sensoriais corretas.

O lúpulo não é uma flor?

Um buquê de lúpulos. Não é romântico? Fonte: telegraph.co.uk

Um buquê de lúpulos. Não é romântico? Fonte: telegraph.co.uk

Um exemplo concreto nos ajudará a compreender melhor essa questão. Um dos termos clássicos usados na descrição sensorial de cervejas é “floral”. Contudo, como sabemos, existem zilhões de flores no mundo, com aromas incrivelmente diferentes. Ou você vai dizer que um lírio e uma violeta têm o mesmo cheiro? “Floral”, portanto, pode parecer um termo algo enigmático a princípio. Quando o curioso por cervejas descobre que o lúpulo usado na fabricação de cervejas é a “flor” (mais precisamente, o cone reprodutivo) de uma planta trepadeira (o Humulus lupulus), ele pode pensar que matou a charada: “Ah, então, se o lúpulo é uma flor, ‘floral’ é simplesmente o aroma do lúpulo! Certo?”

Errado. “Floral” é um termo usado para descrever um conjunto de aromas, entre os quais provavelmente o mais importante deriva uma substância denominada geraniol. O geraniol é um dos compostos aromáticos que podem estar contidos na lupulina (óleo aromático do lúpulo), mas também pode ser produzido pelo metabolismo das leveduras. Algumas variedades de lúpulo exibem uma forte presença de geraniol, enquanto outros não. Nem todo lúpulo, portanto, é floral: há lúpulos florais, herbais, cítricos, frutados, terrosos, condimentados… Assim como nem todo floral provém dos lúpulos. Se você simplesmente chamar de “floral” qualquer aroma de lúpulo, as pessoas que lerem sua avaliação provavelmente pensarão que você está falando do tal geraniol. Com isso, você terá falhado em comunicar adequadamente sua experiência.

Oriente sua degustação

Daí a importância de calibrar seu vocabulário sensorial: trata-se de uma garantia de que um conjunto de pessoas estará usando as mesmas palavras para descrever as mesmas coisas. Falar em “floral” torna-se algo tão objetivo quanto falar em “bolinhas amarelas” quando dois degustadores estão bem calibrados. Degustadores profissionais normalmente têm acesso a recursos poderosos para calibrar seu vocabulário, como amostras de aromas isolados que podem ser degustados em diferentes concentrações. O degustador comum não tem acesso a essas coisas: o melhor que ele pode fazer é procurar esses aromas “ao natural” – ou seja, nas próprias cervejas. Que tarefa desagradável, não é mesmo?

Mas como saber quais cervejas possuem que tipos de característica? Essa é uma pergunta que escuto com frequência de degustadores iniciantes. É difícil encontrar descrições e avaliações confiáveis: quando consultamos a descrição da mesma cerveja em diferentes blogs e rankings online, ficamos bestificados ao perceber imensas divergências de uma avaliação para a outra. Em qual devemos confiar?

“Garçom, desce uma cerveja com butirato de etila!” Fonte: examiner.com

“Garçom, desce uma cerveja com butirato de etila!” Fonte: examiner.com

Infelizmente, a internet ainda é um recurso pouco confiável nesse sentido. Poucos degustadores profissionais divulgam suas descrições online (até porque muitos estão diretamente envolvidos com uma ou mais cervejarias), e 99% do material que encontramos é incorreto. Mesmo quando estão todos parecendo concordar, isso nem sempre é garantia de uma descrição correta: muitas vezes, um grupo de degustadores amadores é influenciado por uma determinada avaliação e sai reproduzindo uma informação incorreta. Vide a imensa quantidade de registros de aroma de “café” que encontramos em degustações de Belgiandarkstrong ales, que tipicamente não exibem esse sabor. Então, em que devemos nos basear?

Descrições produzidas por produtores e bons sommeliers são um bom começo, mas estão longe de serem o ideal. Eu costumo indicar o caminho mais árduo, mas também o mais recompensador, ao meu ver: os guias de estilo.

Guias de estilos

Guias de estilo são documentos, normalmente elaborados para campeonatos cervejeiros, que compilam as características sensoriais dos mais importantes estilos de cerveja. Os dois mais usados no Brasil são os guias do BJCP e da Brewers Association. Em um guia de estilos, você pode ter a certeza de que o vocabulário sensorial está sendo empregado de uma forma correta – ou seja, de uma forma que toda a comunidade cervejeira poderá compreender. E isso ocorre por um motivo simples: porque esses guias normalmente são usados como referência por toda a comunidade cervejeira.

Num guia de estilos, você encontrará as características normalmente esperadas de vários tipos de cerveja. Aprenderá, por exemplo, que uma American pale ale normalmente exibe um aroma cítrico, típico de lúpulos norte-americanos. Assim que degustar uma American pale ale, portanto, poderá procurar esse aroma e chamá-lo de cítrico sem receio de estar usando a palavra num sentido não-convencional. Melhor que isso: uma vez que você consiga identificar o que é isso que os cervejeiros chamam de “lúpulo cítrico norte-americano”, poderá identificar o mesmo aroma mesmo em cervejas de estilos em que essa características não é tão marcante. Bingo: você dominou esse vocabulário sensorial!

Isso é um procedimento que pode ser bastante lento e demandar diversas degustações para dominar cada característica. Na prática, como otimizaro processo e acelerar seu aprendizado? O guia de estilos do BJCP, um dos mais usados no Brasil, traz uma lista de rótulos após a descrição de cada estilo. Trata-se de representantes típicos do estilo, os quais, portanto, apresentam a maior parte dos elementos elencados na descrição. Degustar esses rótulos comparando-os, ponto a ponto, com a descrição do estilo é uma das formas mais seguras de compreender o que se quer dizer com cada termo. A cada gole, procure as características descritas no texto. Tente, com algum esforço de imaginação, entender o que o redator quis dizer quando usou termos como “chocolate” ou “apimentado”. Degustar uma única cerveja do estilo já ajuda, mas, se você puder degustar mais exemplares, melhor ainda, pois terá uma noção mais aguda de quais são as características comuns ao estilo e quais são as particularidades de cada cerveja específica.

Cobertor de cavalo?

Alguns termos do vocabulário sensorial cervejeiro podem parecer bastante herméticos, a princípio. Quando lemos a descrição das lambics ou de cervejas com leveduras selvagens nos guias de estilo, deparamo-nos com a bizarra ocorrência de “aromas animais”, lembrando “cobertor de cavalo”. Ah, dá um tempo! Como diabos você, uma pessoa plenamente urbana, que não cuida de animais no estábulo, irá identificar esse aroma?

Por conta dessas dificuldades, é importante que, paralelamente ao processo de calibrar seu vocabulário de acordo com os termos mais usados, você também construa o seu próprio vocabulário sensorial, e saiba transitar de um para o outro. Encare o desafio do cobertor de cavalo: deguste algumas lambics, uma Orval, uma Flandersred ale, e tente identificar o que todas essas cervejas têm em comum. É o tal “cobertor de cavalo”, um aroma tipicamente produzido por leveduras do gênero Brettanomyces, que ocorrem nessas cervejas. Algumas pessoas chamam esse aroma de “animal”, outras de “couro”, outras ainda simplesmente de “Brett”.

Eu, quando comecei a degustar, na minha cabeça, associava esse aroma a sal de frutas, sei lá eu por que. Alguma particularidade da minha memória olfativa, decerto. Mas eu sabia que ninguém usava o termo “sal de frutas” e que, se eu quisesse ser compreendido, teria de adotar o vocabulário corrente. Portanto, a cada vez que sentia algo que me remetia a “sal de frutas”, eu sabia que o termo a usar para descrever esse aroma era “animal”, ou quem sabe “couro”.

“Notas de ‘casaco da minha avó’ bem presentes nesta cerveja!” Fonte: squidoo.com

“Notas de ‘casaco da minha avó’ bem presentes nesta cerveja!” Fonte: squidoo.com

Darei mais um exemplo. Uma das primeiras cervejas em que eu identifiquei positivamente o butirato de etila, éster cujo aroma normalmente é associado a abacaxi ou frutas tropicais, foi em uma LeffeBlond. Essa associação ficou muito marcada em minha memória olfativa, talvez por se tratar de uma cerveja que eu consumia bastante quando comecei a construir meu vocabulário sensorial. Até hoje, quando pego uma cerveja com butirato de etila, muitas vezes, a primeira coisa que vem à minha mente é “cheiro de Leffe”. Foi o atalho que o meu cérebro aprendeu a tomar. Toda vez que penso “cheiro de Leffe”, sei que estou falando de butirato de etila, e traduzo para o vocabulário corrente: abacaxi. Talvez frutas tropicais.
Tanto no caso do “sal de frutas/animal” quanto no caso do “cheiro de Leffe/abacaxi”, o que eu fiz foi adequar minha memória olfativa, pessoal e intransferível, ao vocabulário corrente. Construí um vocabulário sensorial particular, que me ajuda a identificar um determinado aroma, e ao mesmo tempo inseri esse linguajar só meu dentro do vocabulário corrente. Com o tempo, você vai aprender a passar de um para o outro tranquilamente, e até procurar as variações no vocabulário comum que mais te agradam em cada caso. Numa cerveja com butirato de etila, talvez “abacaxi” te soe melhor, enquanto em outra, o mesmo aroma parece casar mais com “frutas tropicais”. Mas já estamos entrando em questões do estilo.

Escrever com estilo

Algumas pessoas podem objetar que seguir apenas o vocabulário padrão irá matar a criatividade e o estilo pessoal do degustador. Então irá tudo ficar padronizadinho, objetivo, sem espaço para a imaginação? Você pode ser altamente criativo, mas se não for correto e rigoroso em primeiro lugar, estará simplesmente equivocado – ou, pior, parecerá um louco. De qualquer forma, sua descrição só será útil para você mesmo. Então a única saída é a seca objetividade total e absoluta? Não necessariamente. Existem maneiras de ser evocativo e criativo, ao mesmo tempo em que se deixa claro ao seu leitor do que você está falando. Ou seja, você pode ser correto e ao mesmo tempo inventivo, se souber usar de forma competente o vocabulário que construiu e aprimorou com o tempo.
Já falei das variações possíveis dentro do vocabulário sensorial corrente. “Abacaxi” e “frutas tropicais” remetem à mesma coisa no vocabulário cervejeiro comum, mas podem ser usados para evocar sensações ligeiramente diferentes no leitor, assim como o mesmo butirato de etila pode estar inserido de formas distintas em duas cervejas diferentes. Um dos mestres em elaborar descrições selvagemente subjetivas, mas ao mesmo tempo ancoradas em um profundo rigor com o vocabulário, era o grande connaisseur Michael Jackson. Ao mesmo tempo em que seu texto transborda poesia, um leitor atento saberá identificar precisamente tudo aquilo de que ele está falando.
Vejamos como Michael Jackson descreve a cerveja Deus Brut des Flandres em seu livro Great Beers of Belgium. Citando o colega Garrett Oliver, mestre-cervejeiro da Brooklyn Brewery, ele afirma: “Garrett Oliver comentou sobre sua espuma de merengue e sua carbonatação cremosa e aguda. Ele adicionou: ‘ela é tão leve e aérea que mal se pode agarrá-la’. No aroma, Garrett encontrou uma doçura de uvas, cascas de limão, pêras, gengibre e pimenta-da-Jamaica. Eu identifiquei cravo no bouquet; e saborosas maçãs doces no palato; mas apenas no final compartilhei a pimenta-da-Jamaica de Garrett.”
Não se pode dizer que se trate de uma descrição sem imaginação, que não seja evocativa. Mas é correta. O corpo, leve e limpo, é descrito como “aéreo”, como se não pudéssemos agarrar a cerveja. A espuma branca é comparada a merengue. O aroma da cerveja evoca frutas medianamente doces, com certa acidez (uvas, maçãs, limão, pêras) e temperos picantes (gengibre, cravo, pimenta-da-Jamaica). Se estamos familiarizados com o vocabulário cervejeiro corrente, não é difícil identificar que, ao mencionar as frutas, eles estão falando de ésteres em uma cerveja com alguma acidez e pouco açúcar residual. Ao falar dos temperos, estão se referindo ao caráter fenólico “picante” típico do estilo. Mas falaram tudo isso de forma evocativa. Correta, mas com estilo.
Claro que essas são descrições de mestres da palavra e do paladar. É preciso ter anos de experiência com degustação e produção de cervejas para conseguir atingir uma síntese tão notável entre evocação poética e rigor técnico. Mas essa deveria ser a meta no horizonte de qualquer aficionado desejoso de aprimorar suas degustações e suas experiências pessoais com a cerveja. Uma meta que talvez nunca seja atingida. Isso pouco importa: o fundamental não é chegar, mas sim trilhar o delicioso caminho que nos leva até lá.
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alexandremarcussi
* Alexandre Marcussi é sommelier de cervejas pelo SENAC/Doemens Akademie e historiador especializado em História Cultural. Acredita que a cerveja e a cultura se complementam deliciosamente, e põe este princípio em prática em seu blog O Cru e o Maltado.

8 Respostas para “Como aprimorar suas avaliações de cervejas”


  • 1 Thiago Anselmo

    Poxa adoreeeeeeeeeeei esse texto, ainda mais por que trilho isso ha menos de 6 meses e estou super entusiasmado. Agora se isso contibui, as descrições de estilos no Larousse da Cerveja tambem sao otimos e ja me preparam para o que vou encontrar quando vou inaugurar um estilo pro meu cérebro.
    Tem uma coisa que sempre vem a minha cabeca quando a cerveja é inesquecível. Foi o final da avaliação do Mauricio sobre a cerveja “Great Divide Yeti Imperial Stout” (um dos meus sonhos de consumo em stout). Ele disse no final “O resultado é memorável, de instituir feriado.” hahaha dorei isso, instituir feriado caso a breja seja memoravel.
    Abraços

  • 2 Gabriela Montandon

    Caro Marcussi,
    Meus parabéns pelo artigo!
    De fato algumas orientações como estas deverão ser permeadas e continuamente divulgadas a fim de que as pessoas organizem e minimizem o subjetivismo de suas respectivas bibliotecas sensoriais. Muitas degustações divulgadas são um tanto quanto aleatórias e é nítida a ausência de técnica das mesmas, o que pode favorecer ou prejudicar injustamente um rótulo – que, pessoalmente, me causa um grande desconforto. Adicionando ao caso das Strong Dark Ales, temos o famoso sabor caramelo em cervejas com corantes (que normalmente não tem estas notas!).
    No mais, se me permite, gostaria de dizer que as lupulinas na verdade são as glândulas dos lúpulos, de cujos produtos, (os óleos essenciais e as resinas amargas) se diferem substancialmente entre uma variedade e outra. Em segundo, o geraniol é um alcool muito importante de fato, mas é um dos vários compostos usualmente presentes em “lúpulos florais”, como os americanos. Citaria as outras moléculas muito importantes, conhecidas como “cetonas florais” de baixo limiar de percepção como a ? ionona, ? damascenona e cis-jasmona, cujo conjunto e sua complexidade peculiar, reduzimos na palavra floral, rs.

    Abraços
    Gabriela Montandon

  • Bom texto,elucidativo e correto.

  • Fico feliz que o texto tenha sido útil, e espero, nos próximos meses, escrever mais alguns materiais de apoio para degustações aqui no Brejas. Nos limites do meu conhecimento, é claro! Acho que carecemos de mais material desse tipo, de modo que o iniciante precisa encontrar o caminho das pedras sozinhos, o que nem sempre é fácil!

    Gabriela, agradeço muitíssimo os esclarecimentos. Eu não quis entrar em muitos detalhes e especificidades porque este texto já estava longo demais, mas de fato muitos dos exemplos que eu dei poderiam ser multiplicados. No caso do geraniol, sem dúvida existem outros aromas florais em lúpulos. Eu apenas selecionei um dos mais importantes, que inclusive pode vir de outras fontes que não o lúpulo, para exemplificar a questão que estava levantando.

  • Só mais um pequeno comentário em cima de um ponto importante levantado pela Gabriela. Pode parecer que isso tudo é puro preciosismo, mas uma avaliação distorcida pode esbarrar em questões éticas graves – por exemplo, quando um avaliador critica injustamente uma cerveja e acaba prejudicando o produtor no mercado por causa do seu subjetivismo. Avaliar é muito gostoso, mas é preciso que se faça com ética!

  • Prezado Alexandre, texto brilhante, meus parabéns!

    É muito interessante observar como a biblioteca sensorial muda em cada indivíduo. O mais interessante é perceber como que esta biblioteca está relacionada a certas memórias emotivas, muitas vezes relacionada à infância ou ao primeiro contato com aquele aroma específico.

    Vale salientar que pra fins de concurso as avaliações e descrições devem ser acompanhadas de comentários técnicos auxiliando o cervejeiro a resolver possíveis problemas com a cerveja. Nós concursos não basta descrever certos off-flavors, o jurado deve fornecer técnicas e procedimentos para amenizar ou solucionar o problema observado. Para as cervejarias e principalmente para os homebrewers isso é fundamental e de suma importância. É exatamente esse “feed back” que muitos dos cervejeiros caseiros esperam ao receber suas fichas pelo correio e muitas vezes estes se decepcionam.

    Abraços e mais uma vez parabéns!
    Paulo Patrus

  • 7 Gabriela Montandon

    Caro Marcussi,
    Imagine, eu que agradeço poder ler um artigo desses, muito bem escrito e ponderado. Esperarei pelos próximos!
    Minha intromissão foi mais pela lupulina mesmo, que muitas pessoas confundem ao acreditar serem os óleos, quando na verdade são as glândulas produtora dos mesmos (coisa de biólogo! rs)
    Concordo com você, de fato em sermos preciosistas de mais muitas vezes podemos perder uma linha de pensamento mas, em se tratando de aromas e sabores, precisamos aceitar que nossas palavras são uma gota ante o mar de sensações sentidas pelos nossos sentidos – que estão diretamente ligadas à uma diversidade molecular! Sou suspeita em dizer mas, antes nivelarmos a natureza por cima do que termos a falsa ilusão de que nossas avaliações sejam completas, não é mesmo?

    Abraços
    Gabriela

    PS: E onde saiu “?” nas moléculas é beta! Rsrs

  • Alexandre,
    Parabéns pelo artigo, me deu novos horizontes nesta arte. Fiz uma citação dele em meu blog.

    http://nomade-kraftbier.blogspot.com/2012/02/estamos-falando-mesma-lingua.html

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