por Alexandre Marcussi*
Notas numéricas são um instrumento comum usado para medir desempenho, ainda mais em uma sociedade tão competitiva como esta em que vivemos. Não importa para onde olhemos, é difícil escapar delas.
Nem sempre foi assim, é bem verdade. Mas, hoje em dia, raros são aqueles que não estão acostumados a medir a qualidade ou a excelência de qualquer coisa por meio de notas. Aprendemos isso desde pequenos, na escola. Nosso destino escolar, a companhia dos mesmos amigos de turma no ano seguinte, o castigo impostos pelos pais, a recompensa dos professores: tudo isso dependia, invariavelmente, do maldito número impresso no boletim do final do ano. Ao sairmos do colégio, nosso destino universitário é definido pelo número implacável de nossa nota no vestibular. Mas como podem ousar transformar uma vida inteira de experiências e crescimento pessoal em um único número, frio e insensível?
A ideia parece estranha, mas, à força de tanto passarmos por essas experiências, acabamos nos acostumando a ela. Talvez por isso nos pareça bastante natural, assim que começamos a provar diferentes cervejas, compará-las por meio da atribuição de notas numéricas. A comparação por notas fornece a base de funcionamento do ranking do Brejas, bem como de outros portais cervejeiros mundo afora. O mesmo é feito com vinhos há muito tempo, então qual seria o problema?
Na verdade, existem imensos problemas subjacentes ao ato de atribuir notas a cervejas e compará-las a partir dessas notas. Problemas tão grandes que alguns sommeliers simplesmente se recusam a traduzir em notas seus julgamentos sobre cervejas. Neste artigo, pretendo apontar alguns desses problemas e discutir formas possíveis de lidar com eles.
Notas e aprendizado
Vamos começar falando um pouco sobre notas e avaliações no sistema educacional. Pode parecer que não tem nada a ver com nosso tema, mas trata-se de assunto já muito bem estudado com o qual entrei em contato em minha formação como professor, e que pode nos fornecer indicações e insights valiosos para discutir os rankings cervejeiros.
Nós professores sabemos o quanto qualquer nota – qualquer sistema de avaliação de desempenho escolar, na verdade – pode ser arbitrária. A aprendizagem é um processo gradual, multifacetado, marcado pelo desenvolvimento desigual de múltiplas competências e pela retenção de vários saberes por diferentes meios. Reduzir isso tudo a uma única nota, atribuída por uma prova aplicada num único momento de toda essa trajetória, é no mínimo questionável. Dividir a avaliação em vários momentos e defini-la por meio de vários meios diferentes (prova escrita, trabalho, apresentação oral etc.) já é uma melhora, mas ainda não elimina o fator principal: toda avaliação de desempenho depende intimamente do critério usado para avaliar e das expectativas do(s) avaliador(es) a respeito do resultado que ele pretende aferir. Isso é invariável.
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