A saga da cervejaria "Malheur" (que significa "infortúnio" em francês) começa em 1773, quando Balthazar De Landtsheer, antepassado dos atuais proprietários, montou uma cervejaria chamada “De Halve Maan”. O negócio foi herdado por seu filho e depois passado para o seu neto que em 1839 mudou o nome da cervejaria para "Brewery De Zon", ou "Cervejaria do Sol" - nascendo aí o alaranjado forte que se tornou símbolo da marca.
Durante a Primeira Guerra, as atividades da cervejaria foram interrompidas pela primeira vez.
Pouco antes da segunda guerra, o poço que fornecia água acabou sendo contaminado por nitratos, impedindo assim a produção de cerveja própria. Com isso, a cervejaria passou apenas a engarrafar e vender cervejas de outros produtores, estabelecendo parcerias com conterrâneos da "Westmalle", "Mechelen brewery Lamot" (extinta) e importando dos tchecos a "Pilsner Urquell". Após mais um interrupção no período da Segunda Guerra, a família De Landtsheer seguiu as décadas seguintes trabalhando no universo cervejeiro através do plantio e secagem de lúpulos, porém nunca se dedicando à produção de bebida propriamente dita. Com a morte de Adolf De Landtsheer em 1991, seu filho Manu De Landtsheer voltou a alimentar o sonho de reativar a cervejaria.
Finalmente em 1997 o sonho se tornou realidade. Instalada na cidade belga de Buggenhout sob o nome de "De Landtsheer" (mais tarde, "Malheur"), uma nova fábrica da família De Landtsheer foi construída, permanecendo ativa até os dias de hoje com suas notáveis cervejas.
Também conhecida como "Malheur Millennium" por ter sido lançada no ano 2000, a "Malheur 10°" é uma 'Belgian Golden Strong Ale' refermentada na garrafa. O exemplar degustado venceu em abril de 2014, tendo sido armazenado por mim por pouco mais de dois anos.
Líquido translúcido de coloração dourada escurecida. Na taça apresenta abundante formação de espuma esbranquiçada, densa, fofa e altamente persistente deixando marcas do famoso 'Belgian Lace". Impecável.
Aroma forte e alcoólico pontuado por notas cítricas/frutadas remetendo à laranja cristalizada, damasco e pera madura. Nuances que remetem à bala de fruta também chamam a atenção. Notas de caramelo, levedura - além de especiarias como cravo e anis - acrescentam ainda mais complexidade. Muito bom.
No palato revela alto corpo e carbonatação fervilhante. De sabor impactante, destaca a doçura típica dos álcoois e caramelização dos maltes bem como marcante esterificação. Notas de casca de laranja e frutas cristalizadas ecoam memórias de pêssego e damasco. Aquela sensação de bala de frutas cítricas detectada no aroma também surge no paladar com seu característico azedinho. A potência alcoólica é saliente, talvez devido ao envelhecimento na garrafa, o que traz pontuais nuances de acetona. Final quente, picante, condimentado - quase licoroso. Toques cítricos, álcool e leveduras delineiam o retrogosto. A 'drinkability' é baixa.
'Strong Ale' rude e desbalanceada, traço provavelmente agravado pelo envelhecimento. Ainda assim, muito saborosa, o que compensa a degustação.