Enfim, em pleno e orgulhoso exercício de desobediência civil, degustamos uma das “cervejas-que-nunca-serão“. Graças à incongruência administrativa estatal dos barnabés do Ministério da Agricultura, a DaDo Bier Double Chocolate Stout foi “censurada” por causa do leite em pó contido no chocolate da receita. Os funcionários, por alguma obscura razão, porém, não explicaram por que cargas d´água já liberaram outras cervejas importadas com o mesmo ingrediente, ignorando o que, no direito, se chama princípio da isonomia, o qual deveria ser conhecido de cor e salteado por quem faz concurso público.
Recebi a breja como generoso presente de Eduardo Bier, proprietário da DaDo Bier (Porto Alegre), e fui uma das poucas 100 almas a ter esse privilégio. Degustá-la sozinho não teria a menor graça. Então, chamei a Confraria Cervejeira Campineira pra me ajudar na doce tarefa. A degustação aconteceu no Bar Brejas.
A apresentação, seguramente, é a mais bela e luxuosa que já presenciei no mundo cervejeiro: caixa de papelão envernizado, saco de veludo finamente bordado com fios dourados e a garrafa emulando uma gota — talvez do chocolate Kopenhagen 70% cacau com o qual a breja é elaborada.
Deitar essa preciosidade no copo é ver descer um líquido muito negro, espesso e totalmente opaco. A formação de espuma é pequena, quase inexistente, mas aceitável dentro do estilo proposto e por causa da alta graduação alcoólica.
Os aromas vão de cacau, chocolate, café, baunilha a avelãs e até Porto. Na boca, a textura licorosa assoma os sentidos, deixando sentir as percepções aromáticas. O álcool é perceptível, mas magicamente inserido. O final é longo e remete ao chocolate amargo. Se há algo a reparar na breja é o amargor pouco perceptível para o estilo, mas os demais atributos suprem com folga essa pretensa deficiência.
Sabe quando você vai degustar essa cerveja? Nunca. Sabe quando eu a degustarei novamente? Nunca também. Agradeçamos ao MAPA, o qual é especialmente pródigo em sempre dizer o que NÃO devemos tomar.
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Veja mais sobre essa degustação, com mais imagens, no Blog Toque de Chef.
Coisa linda, parece petróleo, única diferença é que há mais burocracia envolendo ela do que o próprio petróleo.
Cabe sempre lembrar que o Artigo 43 da Lei 6871 determina o que é PROIBIDO na fabricação de cerveja, e lá não consta “ingredientes de origem animal”.
A confusão ocorre devido ao fato de, ao longo de todo o artigo 36 ressaltar-se a origem vegetal. O chocolate poderia ser considerado parte do mosto cervejeiro – enquadrando-se no parágrafo 8º do artigo 36? Ou poderia ser misturado para “tratar” a água potável – conforme o inciso IV do artigo 37?
Aliás, cabe ressaltar, o inciso IV do artigo 38 determina que QUALQUER CERVEJA deva ter, ao menos 20% de malte de cevada. As cervejas de trigo e afins possuem isso costumeiramente ou é mais uma restrição arbitrária?
Quanto à proibição, ressalto. A lei DIZ O QUE NÃO PODE, e entre essas coisas, não consta ingredientes de origem animal.