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O meio cervejeiro é "machista"?

Criado por Mauricio Beltramelli no tópico O meio cervejeiro é "machista"?

Confrades Brejeiros (e Brejeiras)! ;)

Na enquete feita anualmente pelo jornalista Roberto Fonseca (Bob), nosso confrade Alexandre Marcussi tocou num ponto bastante interessante, geralmente ignorado na esmagadora maioria das discussões cervejeiras: como "pior fato cervejeiro", ele citou "A reiteração da cultura do machismo na cena cervejeira nacional".

No Facebook, tentei discutir com ele esse assunto. Na hora, infelizmente, apareceram alguns ativistas no tópico a fim de briga, e eu apaguei a postagem (sinceramente, bater boca com ativistas intolerantes à opiniões alheias não faz a minha cabeça... :unsure:). Então, combinei com ele inbox para trazermos pra cá essa discussão.

Pra dar o pontapé inicial, cito um acontecimento pontual.

Em meados do ano passado, no grupo do Facebook Novidades Cervejeiras Brasil, uma ativista colocou um tópico festejando o fato de, após a sua reclamação, a Evil Twin haver alterado o rótulo "Brazilian Wax" pelo atual "Metro Man".

Na hora, inúmeras pessoas (homens e mulheres) criticaram a alteração, não vendo mal algum no antigo nome. Prontamente, as ativistas reagiram com fúria, ao que a discussão assumiu um tom nada amistoso. Eu mesmo me posicionei ao lado das pessoas que nada enxergaram de "machismo" no antigo nome da cerveja. Todo mundo ficou irritado, inclusive eu (pessoalmente, me irrito com opiniões do tipo "isso é machismo sim e está acabado, porque eu digo que é"...).

Pros ativistas, bastou ter opinião contra pra ser tachado de "machista", e isso me incomoda como dono de bar, site e professor de cervejas, que dou um duro danado pra extirpar essa aura ogra que a cerveja assumiu.

A questão que desejo colocar é: independente do nome da cerveja (essa pode ser outra discussão), até que ponto os(as) confrades acham que o meio cervejeiro ARTESANAL é "machista"? Pergunto sobre o meio artesanal, porque na grande indústria, com propagandas de gostosas e quetais, a gente pode combinar que é machista mesmo... :huh:

Gostaria que vocês colocassem situações pontuais e concretas pra debatermos numa boa, sem paixões ou ódio de gênero, pra cada um tirar a sua própria conclusão e ser um cervejeiro (ou uma cervejeira) melhor.
9 anos 3 meses atrás #58739

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Respondido por Gustavo Guedes no tópico O meio cervejeiro é "machista"?

Beltramelli, acho que o buraco é um pouco mais embaixo. Acho que é até fora de questão se seria ou não machista. Temos que partir do fato que o meio cervejeiro é machista, ponto.

Isso porque a nossa sociedade, no geral, é machista a priori. Acho que isso deve vir desde a época em que um certo livro "demonizava/ apontava" uma mulher como causadora do pecado original, que teria condenado todos nós a não sermos mais imortais.

Em festivais de cerveja (artesanal), qual é o papel da mulher, em geral? Ser a promotora gostosona do estande para chamar atenção de nós, marmanjos.

Tem promotor bonitão pra chamar atenção das mulheres? não.

As mulheres são minoria no mundo cervejeiro, será que é por não gostarem tanto de cerveja ou pela nossa sociedade impor subliminarmente que cerveja 'é coisa de homem'. Acho que a raiz do machismo no meio cervejeiro talvez parta daí.

Essa visão pode ser taxada de simplista e generalista, mas creio que é altamente aplicável. Por exemplo, quantas cervejarias são comandadas exclusivamente por mulheres? Quantos bares?

Lembro de ter lido algo no Maria Cevada uma vez dela comentando em algum lugar que gostava de IPA num bar e o dono ficou abismado porque 'mulher geralmente não gosta de cerveja amarga'. Isso é machismo/ sexismo?
Cerveja = Felicidade Líquida.
felicidadeliquida.blogspot.com.br/
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Last edit: 9 anos 3 meses atrás by Gustavo Guedes.
9 anos 3 meses atrás #58744

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Respondido por Alexandre Almeida Marcussi no tópico O meio cervejeiro é "machista"?

Sem pretender esgotar o assunto, vou dar algumas impressões minhas para iniciar a conversa, já que a minha declaração na enquete do Bob motivou este tópico. Quero aproveitar para ressaltar algumas questões preliminares, de natureza teórica, já que nem todo mundo aqui tem formação em áreas relacionadas a questões culturais, de gênero e de identidade.

Primeiramente, é preciso considerar que o machismo faz parte de um conjunto mais amplo de questões normalmente denominadas como "questões de gênero", que dizem respeito aos papeis que as pessoas esperam de indivíduos pertencentes ao gênero masculino ou ao gênero feminino. Gênero não é o mesmo que sexo biológico, OK? (isso é meio óbvio, mas é sempre bom lembrar) Gênero é uma construção cultural, enquanto o sexo biológico é um dado natural. Todas as culturas atribuem diferentes significados para a existência de uma dualidade biológica entre machos e fêmeas, e o conjunto desses significados compõe as representações de gênero de cada cultura. Essas representações variam em cada época, em cada cultura. Nós nos habituamos a imaginar que homens possuem determinados papeis sociais, determinadas aptidões, determinados gostos e tendências, enquanto as mulheres possuem outros papeis sociais, outras aptidões, outros gostos e tendências. Isso tudo é socialmente e culturalmente construído. Para dar um exemplo concreto: na nossa cultura ocidental moderna (pelo menos desde o século XIX), entende-se que as mulheres sejam mais vaidosas e emotivas, enquanto os homens seriam mais racionais e práticos. Isso é um comportamento culturalmente determinado: não está necessariamente na biologia do sexo masculino ou feminino, mas nos papeis que nós aprendemos, desde crianças, que as mulheres e homens devem ter na nossa sociedade. Mulheres são incentivadas pelos pais a cuidarem da aparência e serem agradáveis ("que gracinha!"); homens são incentivados a solucionar problemas práticos ("é isso aí, filhão!"). Isso molda os nossos comportamentos quando adultos, evidentemente.

Para quê estou falando isso tudo? Para dizer que não existe ninguém que não tenha uma série de ideias e sentimentos a respeito de questões de gênero. Não existe ninguém "neutro" nesse aspecto. Todos nós - homens e mulheres - estamos imbuídos das representações de gênero construídas e transmitidas na nossa sociedade. É inescapável. E, como vivemos em uma cultura de gênero que dá papel de maior relevância e independência aos homens (o que poderíamos chamar de uma cultura "machista"), o resultado é que de certa forma, todos nós somos machistas, em maior ou menor grau. Nós fomos ensinados assim, ao ponto de acharmos "naturais" certos pressupostos sobre homens e mulheres (como a ideia de que homens são práticos, mulheres são emotivas). Isso vale tanto para homens quanto para mulheres.

Digo isso para esclarecer um fato muito simples: não é porque uma mulher diz ou faz determinada coisa que essa coisa não é "machista". Esse argumento é falacioso e tem sido empregado reiteradamente por muitos no meio cervejeiro para justificar comentários ou posições que soam ofensivas para quem defende uma igualdade de gêneros. Se uma determinada mulher acha que é certo que mulheres em trajes provocantes sejam estupradas, isso não faz com que essa declaração seja menos machista ou menos ofensiva à dignidade e à liberdade femininas.

Minha posição é a de que o meio cervejeiro artesanal (pelo menos no Brasil) ainda é hostil às mulheres, de forma geral, e ainda veicula e tolera comportamentos que, para mim, são ofensivos à dignidade feminina. Um desses comportamentos é o de desqualificar qualquer manifestação de insatisfação quanto a questões de gênero, acusando os ofendidos (homens ou mulheres) de serem frescos, implicantes ou de não terem senso de humor. Esse comportamento afasta as pessoas ofendidas desse mercado e não contribui para torná-lo mais igualitário e acessível. As cervejas, na nossa cultura, estão historicamente associadas ao gênero masculino, de modo que o mercado consumidor das cervejas artesanais acabou se tornando um reduto de defesa e afirmação de uma "cultura masculina contemporânea" da elite econômica que, às vezes, exclui ou marginaliza a participação feminina. A diferença de tratamento das mulheres, do meu ponto de vista, é gritante se compararmos o mercado cervejeiro e o mercado de vinhos, muito mais aberto à participação feminina e muito mais adulto e maduro, nesse sentido. Não é à toa que a maior parte das mulheres se identifica mais com o vinho do que com a cerveja. Enquanto ouvirmos comentários do tipo "cerveja docinha com frutas é para a mulherada; cerveja amarga é coisa de homem", é provável que o mundo cervejeiro continue sendo indigesto a muitas mulheres. O que é uma pena.
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Porque cervejas são boas para beber, mas também são boas para pensar
Os seguintes usuário(s) disseram Obrigado: Diogo Olivares, André Mezabarba, Kiran Oliveira, Maíra Kimura
9 anos 3 meses atrás #58747

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Respondido por Alexandre Almeida Marcussi no tópico O meio cervejeiro é "machista"?

Gustavo Guedes escreveu: Isso porque a nossa sociedade, no geral, é machista a priori. Acho que isso deve vir desde a época em que um certo livro "demonizava/ apontava" uma mulher como causadora do pecado original, que teria condenado todos nós a não sermos mais imortais.


Pode ter certeza de que isso já existia no mundo ocidental antes desse livro aí ser adotado como verdade absoluta. A cultura grega já era muito machista, a ponto de desconsiderar o estatuto cívico das mulheres e excluí-las da política. Aliás, há historiadores que defendem que o cristianismo se tornou mais machista depois de ser adotado pela cultura romana da antiguidade.
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9 anos 3 meses atrás #58748

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Respondido por Jota Fanchin Queiroz no tópico O meio cervejeiro é "machista"?

Se partirmos da premissa que existe machismo, mesmo que não haja, o encontraremos. Se alguém procurar racismo vai encontrar (ou 90% das mulheres das propagandas não são loiras?). Se alguém procurar idiotismo vai encontrar (ou os caras das propagandas de cervejas não babam por mulheres que jamais terão?). Se alguém procurar xenofobia vai encontrar (ou o Maradona falsificado e o argentinos brasileiros são que?).
Precisamos parar com isso. Sempre remeto nessas horas ao fantástico vídeo do Amazing Atheist : "nós queremos ser uma nação de surdo-mudos ou preferimos ser uma nação onde as pessoas tenham uma pela mais grossa e mais dedos do meio? " -
- por favor assistam.

Para analisar a tripla afirmação de que o machismo é um problema do meio cervejeiro, partamos do conceito de machismo: "super valorização do gênero masculino em detrimento e/ou denegrindo o gênero feminino".
Ora, uma opinião, uma pergunta idiota ou um comercial com meninas bonitas é machismo? No meio cervejeiro existe algo relevante e que denigra o gênero feminino? Definitivamente não!
Discordo do Guedes quando diz que as mulheres não estão no meio cervejeiro. Podem não ser maioria mas tem um monte de cervejeira em diversas funções e não enfrentam nenhuma discriminação. Ou alguém (mesmo uma única pessoa) deixou de beber Colorado porque a cervejeira é mulher? E elas estão bastante presentes em eventos e nas empresas sim. E fazem muito bem.
Se a Maria Cevada teve seu paladar questionado, qual é a ofensa. É apenas uma constatação: a maioria das mulheres não gosta de bebidas amargas. Não há ofensa, nem denigre ou menospreza. Ou nós vemos mais mulheres bebendo Jägermesister do que Amarula? E tem homem que gosta de amarula. E tem homem que gosta de fruit beer.
Mesmo no caso das propagandas, o que denigre o gênero feminino? É um tipo de mulher que atrai o publico a que se destina. Se é de bom gosto ou não é outra história. Não há ofensa, nem denigre ou menospreza.
Morgan Freeman disse uma vez que o dia que pararmos de nos preocupar com a consciência negra, branca ou amarela e nos preocuparmos com a consciência humana, o racismo desaparece. O mesmo vale para o machismo. O dia que pararmos de coletivizar agressor e vítima talvez comecemos a resolver o problema. Porque existe machismo. E não é pouco. E tem mulher machista. Porque existe gente agressiva, desrespeitosa e idiota com e em ambos os gêneros. Temos que condenar as atitudes humanas individualmente e não generalizar o rótulo ao grupo.
Os seguintes usuário(s) disseram Obrigado: Ricardo Loureiro
Last edit: 9 anos 3 meses atrás by Jota Fanchin Queiroz.
9 anos 3 meses atrás #58752

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Respondido por Alexandre Almeida Marcussi no tópico O meio cervejeiro é "machista"?

Jota Fanchin Queiroz escreveu: Precisamos parar com isso. Sempre remeto nessas horas ao fantástico vídeo do Amazing Atheist : "nós queremos ser uma nação de surdo-mudos ou preferimos ser uma nação onde as pessoas tenham uma pela mais grossa e mais dedos do meio? "


Jota, se levarmos a ferro e fogo a defesa da liberdade de expressão, então é preciso garantir o direito dos ofendidos de manifestar publicamente sua ofensa. Se você faz uma declaração considerada babaca pelas pessoas, precisa estar pronto para ouvir as reclamações dessas pessoas. Só que, a partir do momento em que os ofendidos são agredidos e coagidos a ficarem quietos, desqualificados como "frescos" ou pessoas sem senso de humor, então fica patente que os "paladinos da liberdade de expressão" estão defendendo apenas o direito deles de falarem o que quiserem. A reclamação, a manifestação da ofensa e a demanda pela retratação devem ser entendidas como saudáveis, como sintomas de que podemos falar o que queremos. Quando somos coagidos a não expressarmos nossas ofensas, aí sim acaba o direito à voz.

O vídeo do Public Atheist que você postou se equivoca nesse ponto. Ele afirma claramente que a ofensa é normal e alega estar fazendo uma defesa da liberdade de expressão, mas a verdade é que ele está dizendo para as pessoas não exprimirem sua opinião quando elas se sentem ofendidas. Isso não é saudável.
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Os seguintes usuário(s) disseram Obrigado: Clésio Gomes Mariano, Maíra Kimura
9 anos 3 meses atrás #58753

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