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A não-cerveja

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Por Mauro Renzi.

Quanto vale um sonho? E uma utopia? A minha custou R$75,00 a dose, mas confesso que valeu cada centavo.

Samuel Adams Utopias

Samuel Adams Utopias

Tudo começou no 1º Mini-Encontro do Brejas SP, no Empório Alto dos Pinheiros, na sexta-feira, dia 29 de Janeiro de 2010. Um dos confrades presentes comentou comigo que havia lido a notícia: A Melograno, Forneria e Empório de Cervejas, estava com um lote super exclusivo de oito cervejas Samuel Adams Utopias, simplesmente um verdadeiro mito, não somente pelo seu elevado teor alcoólico de 25%, mas pelo sabor ímpar. Bem, isso era o que diziam os conhecedores, mas eu não poderia deixar passar em branco uma oportunidade destas.

As cervejas haviam chegado no dia 28 de Janeiro, ou seja, um dia antes de eu ter recebido essa notícia e, pra complicar ainda mais meus planos, no sábado seguinte, dia 30 de Janeiro de 2010, estava marcado no meu condomínio o 1º Churrasco do Brejas, o que também inviabilizaria minha ida ao Melograno neste dia.

Para encurtar a história, apenas na segunda-feira pela manhã consegui telefonar no Melograno a fim de saber se, depois de um final de semana agitado, ainda havia sobrado alguma coisa pra mim. O atendente, mesmo sem me dar absoluta certeza, disse que talvez houvesse duas garrafas. Como o Melograno não abre na segunda-feira (um descanso justo) prometi a mim mesmo que estaria lá na terça-feira, no horário de abertura, pra não correr nenhum risco que alguém chegasse antes de mim e me roubasse o direito ao precioso líquido.

Dito… e feito. Lá estava eu, aguardando a abertura das portas, meia-hora antes do início oficial do expediente. “Ainda tem?” Perguntei eu à garçonete. “Sim, ainda tem.” Ela me respondeu. Eu logo pedi uma dose, mas demorei a beber. Trata-se de um vinho do porto, e dos bons. Um aroma muito forte que nos remete à madeira, uvas e ameixas passas, com muito álcool presente, mas sem, de forma nenhuma, comprometer essa “masterpiece”, como diriam os norte-americanos. Espuma? Não. Aliás, nenhuma bolha sequer. Na coloração, me lembrou um conhaque, também dos bons, é claro. O sabor acompanha o aroma, com muita uva e ameixa passa (um híbrido entre conhaque e vinho do porto) e um final amadeirado extremamente seco. Cerveja super adocicada. Tão doce que atraiu de modo notório a atenção de alguns mosquitos que passavam pelo local (e eles se apaixonaram de tal forma pelo líquido que seria possível matá-los a qualquer momento, sem que eles pudessem esboçar qualquer reação – mas é claro que não os matei e, de fato, preferi dividir aquele néctar com eles, democraticamente).

A belíssima garrafa coroa todo o contexto, e me faz agradecer o privilégio de encontrá-la em meu caminho. Enfim, se a palavra UTOPIA significa o não-lugar, a UTOPIAS aqui pode muito bem significar a não-cerveja, mas isso no melhor dos sentidos. Não fosse por um minúsculo residual de fermento que resta no fundinho da taça e eu iria me esquecer, literalmente, que estava bebendo uma cerveja.

Desgustando a não-cerveja

Desgustando a não-cerveja

Minhas férias já estão terminando, mas a Samuel Adams Utopias a encerrou com “chave de ouro”. E pra terminar eu pergunto de novo: Quanto vale um sonho? E uma utopia? A minha valeu R$75,00 a dose e dessa vez não confesso, afirmo, valeu cada centavo.

O Peru, a cultura e as cervejas

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Por Jean Benetti.

Em uma viagem a passeio pelo Peru para celebrar o reveillon 2009-2010, ficando 7 dias, pude conhecer de perto a cultura daquele povo. Eu, minha esposa Daniela e minha cunhada Hellen. Ficamos na casa da família de uma amiga peruana, Mev, que morou até outubro de 2009 em São Paulo com a Hellen enquanto fazia seu doutorado. Claro que eu estava ansioso para conhecer as cervejas peruanas, as quais pesquisei anteriormente na internet  e no site do Brejas. Mas, mais do que isso, conheci a cultura acerca das cervejas, o que considerei até mais importante.
Minha experiência começou ainda no avião da TACA peruana, quando pedi uma cerveja e veio uma Brahma. Inicialmente fiquei decepcionado, pois se tratava de uma “brazilian corn beer” e eu queria pelo menos uma “corn beer” peruana. Mas logo percebi que se tratava de uma Brahma peruana. A ficha não poderia ter demorado a cair, pois eu já havia bebido a Brahma outrora na Argentina em 2007 e no Chile em 2008.

Brahma Peruana

Brahma Peruana

Assim que cheguei ao Peru dia 26, ainda meio perturbado pelo fuso horário, pois para nós seria meia-noite, enquanto lá ainda eram nove da noite, nosso motorista oficial em Lima, Michael,  irmão da anfitriã Mev, veio trazendo em suas mãos uma cerveja Cristal, a mais bebida pelos peruanos, pelo que pude constatar.

Cerveja Cristal, Dani e eu

Cerveja Cristal, Dani e eu

Michael então me ensinou o que achei mais interessante: a maneira como os amigos tomam cerveja. Naquela hora confesso que não entendi bem o ritual. Ele encheu o copo, passou-me a garrafa, bebeu a cerveja e balançou o copo em direção ao chão para que o líquido do fundo do copo fosse dispensado, entregou o mesmo copo em minhas mãos. Eu enchi o copo e logo em seguida ele pegou de volta a garrafa  enquanto eu bebia, desta vez ele ficou com ela nas mãos para que eu degustasse minha primeira breja em solo peruano.

A cerveja Cristal é uma Standard American lager de 5,0% de álcool, a garrafa (Botella em espanhol) possui 650ml. É mais amarga e ligeiramente mais encorpada que as nossas. Os peruanos consideram a cerveja brasileira aguada, podendo falar nos dias de hoje com propriedade, pois a Brahma está lá há alguns anos. Realmente eu concordo com eles nesse ponto de comparação das Standard.

No outro dia, estivemos na casa do cunhado da Mev, Rolando, vizinho da casa em que ficamos. Era seu aniversário. Almoçamos e ficamos para a festa de aniversário onde pudemos tomar várias e inusitadas bebidas: – Leite de tigre, é um caldo de peixe quente muito apimentado com amendoins; – Chicha morada, é um suco de milho roxo (variedade de milho peruano), o milho é cozido e o caldo depois de frio é adoçado, delicioso; – Inca-Kola, refrigerante amarelo-ouro e o mais consumido no Peru, desbancando até a Coca-Cola; – Pisco sour, bebida típica do Peru, feita de pisco (pinga da casca da uva), suco de limão, açúcar cristal e gelo, tudo batido no liquidificador e depois uma pequena pitada de canela por cima.

Leite de Tigre, Chicha Morada, Inca-Kola e Pisco Sour

Leite de Tigre, Chicha Morada, Inca-Kola e Pisco Sour

Finalmente chegamos à parte importante: a cerveja. A sala estava cheia de convidados e desta vez enfim eu entendi o ritual peruano para tomar cerveja entre amigos.
Colocamos a cerveja em nosso copo e passamos a garrafa para o próximo da roda que vai beber, este segura a garrafa até que terminamos de tomar, em seguida passamos O MESMO COPO para o amigo que segura a garrafa, ele enche então o copo passando novamente a garrafa para o próximo da roda que vai beber e assim sucessivamente. Caso haja uma mulher na roda, o homem deve segurar a garrafa para ela, a menos que ela queira ficar com a garrafa.

É o mesmo copo pra todo mundo. Eu como odontólogo poderia ter me desvencilhado do ritual, mas claro que eu quis entrar de cara na cultura peruana e não me importei. Quando tem muitos amigos na roda, normalmente eles tomam rápido para que o pessoal não espere muito e isso acaba contribuindo para que fiquemos bêbados com esses grandes goles. A cerveja esquenta um pouco com esse troca-troca e a garrafa sempre na mão de alguém, mas eles dizem que é bom para sentir o sabor da cerveja. Convenhamos, eles estão quase certos, apesar da cerveja deles ser mais amarga, continua sendo uma Standard American Lager.
Nesse mesmo dia, fui ao supermercado Plaza Vea e comprei uma garrafa de cada cerveja peruana que vi pela frente, além de algumas importadas por preços bem reduzidos comparados aos nossos aqui no Brasil.

Compra básica. Somente a Corona e a Flensburger Gold não são peruanas

Compra básica. Somente a Corona e a Flensburger Gold não são peruanas

Depois deste dia, segui 400km em direção ao sul de Lima e conheci as cidades de Pisco (reserva de Paracas, Islas Ballestras), Ica (deserto de Huacachina, oásis de Huacachina), Nazca (voo pelas linhas gigantes de Nazca). Foi uma aventura e tanto, mas como o que importa aqui é cerveja, estas eu deixei em Lima me esperando por três dias. Claro que neste passeio fui degustando cada uma que via pela frente. Uma delas foi a Cusqueña na beira do Pacífico a qual permitimos que nosso motorista do táxi, Sr. Pancho, tomasse um copo.

Cusqueña, Sr. Pancho e o Pacífico ao fundo

Cusqueña, Sr. Pancho e o Pacífico ao fundo

No Peru existe uma grande indústria cervejeira responsável por 85% do mercado nacional, a Backus. Eles foram aos poucos comprando as principais cervejarias do país, algo muito parecido com a AmBev aqui no Brasil. Estive no portão da Backus, mas não pude entrar devido ao grande esquema de segurança.

Portões da Cerveceria Backus

Portões da Cerveceria Backus

Depois que retornei à Lima pude degustar todas as cervejas e documentá-las com muito cuidado. Infelizmente, devido a correria da viagem, apesar de 1 semana, não pude visitar locais especializados em cerveja, tal como o Rinconzito Cervecero e outros mais, inclusive apontado pelo confrade Marcelo Vodovoz no dia do 1º encontro do Brejas. Apesar disso não perdi tanto, cervejas artesanais peruanas não são comuns, nesses locais eu encontraria muitas importadas, a grande vantagem ficaria no preço. Deixei de experimentar algumas Standard ou Premium American Lager regionais, como por exemplo a Arequipeña da região de Arequipa, ou a Iquiteña da região de Iquitos que talvez eu encontrasse nesses locais especializados.

1500ml de Zenda

1500ml de Zenda

Ao final da viagem bebi ao todo somente 13 cervejas peruanas: Cristal, Cusqueña Premium, Cusqueña Malta, Cusqueña de Trigo, Cusqueña Red Lager, Pilsen Callao, Pilsen Polar, Franca, Barena, Quara, Trujillo, Brahma e Zenda; além de algumas importadas. Todas as cervejas e minhas impressões foram incluídas no ranking do Brejas. Minha preferida foi a Cusqueña Red Lager.

Zenda, a Brahma Extra peruana

Zenda, a Brahma Extra peruana

O mito da cerveja má

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Terminaram devorados nossos parentes do pleistoceno que indagaram-se sobre as intenções do Tigre de Sabre encontrado no caminho de volta a aldeia. Decidir rapidamente entre bom e mau foi uma habilidade essencial na evolução da humanidade. Tanto que o mundo foi separado dessa forma. Tudo fazia sentido e sobrevivíamos para deixar descendentes e assim dar continuidade da espécie. O efeito colateral deixado foi a incorrigível compulsão por separar tudo entre dois extremos opostos, qualificando tudo que se apresente de uma forma ou de outra.

O sujeito passou a vida bebendo da mesma cerveja. Em sua trajetória passou por alguns rótulos e por fim escolheu o seu. Inspirado pelo instinto ancestral, ele separou o mundo da cerveja entre boa – a dele – e má, as dos outros. Havia paz e equilíbrio. Alheio ao fato de que as boas e as más eram mais ou menos parecidas, ele seguiu feliz até esbarrar em outro tipo de cerveja. Então ele precisou decidir se continuaria pelo caminho de onde vinha ou se exploraria o universo de opções que se apresentava. Minha história e provavelmente a sua coincidem com a segunda alternativa, vamos falar mais dela.

A passagem de um estilo de cerveja e meia dúzia de rótulos para centenas de estilos e milhares de rótulos pode ser confusa. Dessa forma, recorremos ao instinto ancestral e implementamos a dualidade que nos permite ver as coisas de forma organizada: a cerveja que bebíamos era ruim, a que bebemos agora é boa. O neófito se informa, alarga seu conhecimento, experimenta. Acaba descobrindo como a cerveja é feita e acredita entender porque a cerveja que ele bebia antes – e a grande maioria do universo ainda bebe – seria ruim. Lei da Pureza, puro malte, lúpulo, lager e ale integram o novo vocabulário. E nesse ponto ocorrem uma profusão de equívocos envolvendo o ponto central deste artigo: afinal de contas, o que é cerveja boa?

Equívoco número 1: Reinheitsgebot, A Lei da Pureza.

Ela costuma ser invocada como garantida de qualidade. Para começar, a Reinheitsgebot define apenas uma escola específica, a alemã, enquanto temos ainda pelo menos outras duas escolas clássicas, a inglesa e a belga, sendo que esta última usa e abusa de adjuntos – inclusive açucar – para produzir algumas das melhores do mundo. Ou seja, existe cerveja boa que não é Reinheitsgebot. E vice-versa. Sim, vice-versa. A cerveja pode seguir rigorosamente a Lei da Pureza e ficar ruim devido a problemas no processo de fabricação, carregando consigo os famigerados off flavors.

Equívoco número 2: cerveja leve é medíocre, é água suja.

Temos mais de uma centena de estilos oficiais de cerveja, alguns deles especificam cervejas leves. Elas são, disparado, o tipo mais consumido do planeta. E não é por mero acaso: as pale lagers são cervejas refrescantes fáceis de gostar por serem leves e pouco amargas. E são dificilíssimas de serem feitas. Exatamente devido à leveza, o processo deve ser rigorosamente controlado pois qualquer concentração de off – flavor ficaria destacada. Isso efetivamente acontece com muitas cervejas comerciais e tem pouco a ver com os ingredientes usados ou mesmo estabilizantes e antioxidantes. Sobretudo, essas cervejas são feitas em volumes oceânicos em estabelecimentos dispersos e precisam manter suas características, uma proeza hercúlea. E ainda assim, existem exemplos de boas cervejas comerciais, leves e bem feitas.

Equívoco número 3: O milho e os famigerados cereais não maltados.

Virou moda entre os neófitos desdenhar cervejas comerciais porque seriam supostamente feitas de cereais não maltados (mesmo por gente que sequer tem idéia do que seja malte), marcadamente milho. Coitado do milho. Jack Daniels é feito de milho e é um bourbon de sucesso. Muita coisa boa é feita de milho. Cerveja não, é verdade. Mas a César o que é de César. No passado o uso de gritz de milho e arroz (grão triturado e no caso do milho separada a parte oleaginosa) servia como fonte adicional de nutriente para a levedura. Dá tanto trabalho para processar que tem caído em desuso e muitas cervejas que declaram cereais não maltados em seu rótulo não utilizam nenhum, apenas deixaram a descrição pela comodidade de poder utilizá-los se e quando necessário. A bola da vez se chama high maltose e é um açucar idêntico ao encontrado no malte, mas extraído do xarope de milho e sem interferência direta no sabor da bebida. O famoso aroma de milho cozido das cervejas leves deve-se a um composto chamado de DMS que tem sua origem no malte. Sim, no malte. Você encontrou aroma de legumes cozidos, milho em sua cerveja? É um defeito e também uma prova de que ela foi feita com malte! Sobretudo, existe uma legislação nacional, a nossa lei da cerveja segundo a qual um máximo de 10% do peso do extrato primitivo pode ser de açucares adicionados, sendo os adjuntos permitidos até o máximo de 45% do total do extrato.

Mas afinal, o que faz uma boa cerveja?

Ingredientes de qualidade combinados em uma boa receita executada em um processo controlado. O componente final é você. A cerveja pra ser boa, tem agradar a você. Não interessa se agrada a todo o mundo e para você não tem graça. Do mesmo modo, é preciso respeitar a escolha alheia, evitando a armadilha da arrogância ao posicionar-se diante de pessoas com preferências diferentes, ainda mais se a intenção for beer-evangelizá-las.



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