O uso impróprio do rótulo “premium” em cervejas

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heineken budweiser girl

Artigo redigido pelo autor convidado Pedro Migão*. As opiniões nele contidas não expressam, necessariamente, as posições do BREJAS

A notícia palpitante do mundo cervejeiro nos últimos dias foi o anúncio da Ambev de que relançará no país a marca “Budweiser”, componente de seu portfólio e que havia sido importada anteriormente sem maior presença no mercado, primeiro pela então independente Antarctica e posteriormente por empresas não ligadas a grandes fábricas.

Até aí, nada demais.

A questão, porém, é o posicionamento que a Ambev está dando à marca: a de uma cerveja “premium”, de um patamar de qualidade teoricamente superior e vendida por preços 40% mais altos que as marcas de grande consumo. Segundo o marketing da companhia será uma cerveja “descolada”, voltada para jovens “descolados” e de maior renda. Só que temos uma grave discordância entre o marketing e a classificação cervejeira tradicional, baseada em suas características.

Milho e arroz na cerveja

Teoricamente, uma cerveja “American Premium Lager” estritamente classificada significa uma marca que não leve mais do que 25% de adjuntos em sua composição. Adjuntos são outros cereais não maltados, tais como o arroz, o milho ou até mesmo a batata. São utilizados com dois objetivos: diminuir o custo — o malte de cevada, importado, é um insumo caro — e tornar a cerveja mais “leve” ao paladar do consumidor. A cerveja deste estilo, teoricamente, também não deveria ter conservantes ou aditivos químicos.

Ainda de forma teórica, uma lager para ser enquadrada e levar o rótulo “premium” deveria atender a estes requisitos: ter mais malte, mais lúpulo, mais álcool e menos adjuntos. De acordo com o “Larrousse da Cerveja” a percentagem máxima destes cereais deve ser de 25%, como citado acima. Já na descrição do site referência “Brejas” não há referência à percentagem máxima. Contudo, adoto a classificação do “Larrousse”, mais restrita.

Budweiser é “premium”?

Dentro deste patamar, a Budweiser deveria ser classificada como uma “American Lager”, cervejas refrescantes de baixo custo e alto consumo. Este é seu posicionamento de mercado nos Estados Unidos e deveria ser o mais adequado, até porque a cerveja não é muito diferente das consumidas em massa aqui. Além disso, ela leva 40% de arroz em sua composição, o que automaticamente a faz não preencher os requisitos necessários para ser uma “premium” típica.

Ou seja, o relançamento da Budweiser mostra uma clara contradição do mercado brasileiro: marcas posicionadas como “premium” apenas por questões de marketing e de busca por uma melhor rentabilidade. O conceito no Brasil está menos afeito à qualidade do produto e sim a “benefícios intangíveis” baseados em conceitos de marketing como “estar na moda”, “ser jovem” e “descolado”. A cultura cervejeira? Bom, esta não parece importante.

Aliás, fazendo um parêntese: a Ambev não demonstra o menor interesse pelo mercado em franco crescimento das cervejas especiais. Até importa marcas belgas e alemãs, mas em variedade reduzida e sem uma grande estratégia de marketing e distribuição. A impressão que dá é que a avaliação da companhia é de que isto basta – ressalvando-se que as marcas Leffe e Hoegaarden são bastante conceituadas.

Confusão e marketing

Vale lembrar também que mesmo dentro do segmento “premium” estrito há cervejas e cervejas. Temos cervejas com adjuntos e até adição de carboidratos – um bom exemplo é a Brahma Extra, mas há outras – e convivem na mesma classificação marcas como a Heineken e a Petra Aurum (para ficar apenas nos rótulos produzidos em grande quantidade por grandes fábricas), ambas “puro malte”, sem adjuntos e aditivos.

Entretanto, todas são classificadas estritamente como “premium”. Observe o leitor que não me refiro a outras “premium lager” que estão também classificadas neste grupo em termos mercadológicos, como a Eisenbahn, a Baden Baden, a Cidade Imperial, a Bamberg e outras. Até porque estas últimas, ou pelo menos a maioria delas, são classificadas como “pilseners” típicas, e não como “premium lagers”.

Esta é outra confusão que o marketing das grandes cervejarias estabelece no Brasil. Pilsner é apenas um dos tipos de cervejas lager, caracterizadas pela fermentação “a frio” – ou seja, a temperaturas entre seis a doze graus. Também é conhecida como cerveja de baixa fermentação, pelo fato das leveduras se depositarem no fundo dos tanques – ao contrário das cervejas tipo “ale”, conhecidas como de alta fermentação – e também a temperaturas mais altas.

A enganação das cervejas “tipo Pilsen”

Onde quero chegar ? Muitas das cervejas “de massa” vendidas como pilsners na verdade estritamente não o são. Este tipo se caracteriza por uma presença marcante do lúpulo, que dá o aroma e o amargor à bebida – sendo bem rasteiro. Entretanto, o que ocorre é que as marcas mais vendidas aqui no Brasil tem pouca quantidade de lúpulo, sendo bebidas feitas para refrescar – com cor e sabor pálidos. Uma vez mais, é o marketing de venda se sobrepondo à cultura cervejeira.

O relançamento da Budweiser é um claro exemplo da inapropriedade da expressão “cerveja premium” no Brasil. Cobra-se mais caro por um produto que, na prática, não vale o que está sendo pedido. O consumidor paga por uma “imagem” construída em cima de conceitos subjetivos e que se sobrepõem à objetividade dos tipos de produto. É uma tentativa de elevar a margem de lucro de produto que, decidiamente, não vale o preço pedido.

Mas… Tem comparação?

Curioso é ver o pessoal do marketing da Ambev dizer que “a Budweiser se compara à Heineken e vai brigar com ela”. Em termos de qualidade e características não há sequer comparação: uma é puro malte, matura nos tanques trinta dias, não leva adjuntos e nem conservantes. A outra tem 40% de arroz, matura quinze dias antes de ser engarrafada e tem conservantes e aditivos. São dois produtos claramente diferentes – e a marca holandesa está em clara vantagem nesta comparação.

Esta dicotomia entre o marketing e a classificação cervejeira, a meu ver, é bastante prejudicial à difusão de produtos de maior qualidade a um público mais amplo. Cria toda uma confusão no mercado e acaba impondo um posicionamento de mercado baseado em valores intangíveis e ditados por campanhas publicitárias, deixando a qualidade em segundo plano. Isto não é privilégio do mercado de cerveja.

O Ministério da Cultura Cervejeira adverte: deixe os marqueteiros longe dela. Nosso paladar agradece.

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* Pedro Migão é editor do blog Ouro de Tolo

19 Respostas para “O uso impróprio do rótulo “premium” em cervejas”


  • Belo texto.
    Há umas três semanas também fiz um post sobre esse assunto no meu blog. O link:
    http://cervejasecompanhia.blogspot.com/2011/08/chegada-da-budweiser-no-brasil.html

  • 2 marcio azevedo carvalho

    bem, sobre a heineken e até mesmo a stella artois: por curiosidade fui ler o rótulo das duas. ambas citam além de água, malte e lúpulo, cereais não maltados. isso não significaria adição de arroz, milho, etc.?

  • 3 Sergio Pimentel

    Bem, Pedro, tirando a parte a classificação da cerveja, o que sobra é o que o consumidor quer, infelizmente. E não é por falta de opção não…é bem o que você falou, modisto, descolado, jovial…opções existem, caras em comparação as cervejas de massa, mas existem.
    O brasileiro é acostumado com o que tem no mercado, não é exigente, e quando o é, na maioria das vezes, contenta-se com uma “plastica” superficial (vide os automoveis com apelo off road, na verdade cheio de plasticos e quanto se paga a mais por isso?!?!), como no caso da Bud…um nome bonito, uma embalagem diferenciada, uma “história” pra contar, já basta.
    Como falei num outro comentário, quem sabe a gente tenha a sorte de contar aos nossos netos como era o mercado de cerveja no Brasil!

  • Colocar vintage no rótulo não pode porque confunde o consumidor. Colocar ESB não pode porque confunde o consumidor. Mas vender Bud como premium tá tranquilo, não confunde ninguém.

    Tomara que esses jovens descolados comprem muito esta maravilha, eles merecem.

  • Concordo !!

    E esse reposicionamento de produto por marketing não se restringe apenas a esse mercado, podemos olhar para o automotivo, onde posicionam varios carros baratos em qualquer lugar no mundo como “compactos premium” aqui no Brasil, olha o premium ai tambem….rs. E vai vender bem essa cerveja, mostrando que brasileiro não quer qualidade, apenas status.

  • Colegas pesquisem mais a fundo e verão que no Brasil qualquer cerveja que tenha sido premiada em concursos cervejeiros pode ser chamada de Premium, é curiosos mas é verdade e se a Bud já o foi terá seu rótulo aprovado com essa denominação

  • Muito bom o texto. Como comentei no outro tópico, a Bud é referência do estilo Standard American Lager, não faz sentido querer classificá-la como “Premium”. E não dá pra compará-la com a Heineken. O corpo e o sabor da Heineken são muito superiores, o dulçor do malte e o amargor do lúpulo são bem presentes, ao contrário da americana, pobre em tais características, praticamente uma insípida. Deixemos esses marqueteiros da Ambev pra lá, o objetivo deles é promover vendas e faturamento e não cultura!

  • Eu concordo que a Budweiser está longe de ser uma cerveja premium, mas me parece que há um equívoco no texto. Embora tenha quantia considerável de arroz na composição eu lembro que a Budweiser não possuía nem antioxidantes e nem estabilizantes na sua composição. Não que isso por si só justifique posicioná-la como premium, conheço muitas cervejas que os têm e que para mim são de qualidade bem superior à Budweiser. Agora não sei se a que vai ser lançada no Brasil possui tais conversantes, mas pelo menos quando era importada da Argentina não os tinha. Essa diferenciação é justificável, pois a Stella Artois nacional até a pouco também possuía antioxidantes na composição (estabelizantes nunca teve), mas hoje já está feita sem, o que eu acho certo, pois as versões da Argentina e do Chile nunca levaram, parece que o consumidor brasileiro tem que sempre levar pior, ainda bem que agora está sendo feita sem. Mas das macros sem dúvidas a melhor opção é a Heineken, pena que a Ambev parou de importar a Beck’s e a Lowenbrau, confirmando o que o autor do texto afirmou da falta de interesse da Ambev em nos trazer cervejas melhores. Estas sim se justificavam ser posicionadas no nosso mercado como “premium”, embora nos seus países de origem sejam marcas mais populares, mas eram boas opções que nós tínhamos para o dia a dia sem gastar muito e que apesar de serem importadas, eram vendidas com bom preço no mercado.

  • Márcio,

    Depois de uma conferida na Heineken novamente, a sua composição é somente água, malte e lúpulo. Agora a Stella possui mesmo cereais não maltados.
    Eu não entendo muito dessa parte de produção, mas acho que isso por si só não assegura uma qualidade melhor da cerveja. Tem umas cervejas puro malte que são bem insossas.

    abraço

  • 11 Fernando P. Frassetto

    Excelente. Conciso, denuncia mais uma papagaiada da Ambev, empresa que vende uma quantidade absurda de porcarias e não importa os rótulos que poderia, visto ser dona de dezenas deles. E os caras ainda tem a desfaçatez de afirmar que vai brigar com a Heineken. Ora, a Bud (Budweiser de verdade é a tcheca) é um lixo imenso, só não pior que aquelas Light lamentáveis consumidas em grande quantidade nos EUA. Eu é que não vou comprar mais essa enganação.

  • Esperar que a Ambev se preocupe com a “cultura cevejeira” e se esforce para “educar o público” é uma piada. Tá vendendo? Tá ótimo, e dá-lhe sonrisal alcoólico nas gondolas de supermercado, balcões de bar e mesas de restaurante.

  • 13 Ricardo Soares

    Ontem, experimentei, pela primeira vez, a Bud produzida no Brasil. Minha impressão: a mesma cerveja de massa (e nada premium) que tomamos, feito água, nos EUA. O preço: R$1,99, equivalente a uma Heineken, Stella Artois ou Gold.

    A diferença é que nos EUA ela é posicionada em seu devido lugar: como uma cerveja popular, barata, insípida e feita para ser ingerida aos litros.

    Quem já morou ou já esteve nos EUA sabe que o americano, quando quer pagar mais caro numa cerveja de puro malte, compra uma Heineken, sem hesitar. Por outro lado, quando o americano está com pouco dinheiro, ou não dá a mínima para a qualidade da cerveja, certamente comprará uma Bud, Bud Light, Coors ou qualquer outra americana do gênero.

    Porém, o brasileiro é mais burro e desinformado que o americano. Por essa razão, acredito que a Bud nacional fará um enorme sucesso por aqui, justamente por ter todos os elementos necessários para cair no gosto dos brasileiros: enorme apelo comercial, garantia de “status” àquele que a ingere e, por fim, um sabor insípido, leve e refrescante.

    Aliás, o paladar do brasileiro já está tão mal acostumado (em razão das Brahmas da vida), que ele sequer perceberá a diferença entre aquele retrogosto de milho da Bud e o gostinho levemente lupulado da Heineken.

    De todo modo, qualidade cervejeira à parte, devemos reconhecer: o americano sabe fazer marketing e sabe deixar uma marca forte. Apenas comparem o tradicional e imortal rótulo da Budweiser com a ridícula “flechinha” da Skol. O americano sabe tornar suas marcas lendárias, imortais e atemporais, haja vista exemplos como Coca-cola, Jack Daniel’s, Lucky Strike, Marlboro, Harley-Davidson, Zippo, Starbucks, dentre tantas outras.

    Enfim, o americano sabe vender sonhos, estilo de vida, imortalidade, status, etc. E é isso que fará da Bud uma cerveja “cult”, mesmo a despeito de sua baixa qualidade.

    Acontece o mesmo com as montadoras: a partir de um básico, colocam o estepe pra fora, adicionam um mata-cachorro, sobem a suspensão em 2 cm, e convencem o consumidor brasileiro burro, de que aquele carro é um off-road, o que justifica cobrar R$10 mil a mais do que sua versão básica. Resultado: a margem de lucro é incrível.

    Do mesmo modo, a margem de lucro da Bud será sensacional. Afinal, vender Skol a preço de Heineken, não é um bom negócio?

  • Ricardo Soares falou tudo man,melhor que a materia.
    Nao sobrou muita coisa para falar a nao ser dizer que a bud apesar de tudo nao é uma cerveja ruim,mas tambem nao é uma cerveja premium.

    Alguem ai ja tomou a duff que tao vendendo aqui que é produzida por uma cervejaria mexicana?

    Achei muito engraçado quando vi aquilo.

  • 15 Milton Guimarães Luiz Filho

    Excelente matéria, parabéns! Muito esclarecedor.
    Apesar da Bud ser uma boa cerveja e com preço razoável, acho q a Heineken não esta muito preocupada com essa comparação equivocada pois quem gosta de cerveja premium certamente busca essas informações sobre a composição e pureza, assim como pode ser facilmente diferenciado também pelo sabor (degustação).

  • Realmente não há mais o que dizer… só repetindo: a Bud ainda é melhor do que Skol, Brahma, Nova Schin e outras do gênero, mas jamais podemos compará-la à uma Heineken!

    PS: Heineken em excesso NAO DÁ dor de cabeça do dia seguinte, pois não tem conservantes/estabilizantes/etc…

  • marcio… No rótulo das Heinekens que eu tomo (que pode inclusive estar errado) não fala em cereais não maltados. Só água, malte e lúpulo (claro que leva levedura também na fabricação). A Stella para mim é inferior a Heineken mas também está acima das demais comerciais (Bud inclusa). Só não a tomo mais por que é cara (a garrafa com 200 e poucos ML custa o mesmo da Heineken com 350).

  • 18 Rodrigo Terror

    Concordo! Brasileiro, em sua maioria, é muito desinformado e conformado. Provei a bud outro dia e posso falar que é a skol dos eua…mto paia! das macros tenho tomado stella, heineken e gold.
    Abraços.

  • Para mim a classificação “PREMIUM” devia se dar àquelas que fossem “PURO MALTE”, sem os cereais não maltados que engloba de arroz até sabugo e palha de milho. A BAVARIA e a ITAIPAVA Premium são as duas mais adequadas à denominação, apesar de incluir não maltados. Quanto a Stella, Brahma Extra e Heineken, o teor alcoólico é de 5%, bem mais elevado que as pilsen de baixa fermentação mais vendidas.
    Acho que devia ser criada a ANC (AGENCIA NACIONAL DA CERVEJA) para acabar com a bagunça que a AMBEV criou.

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