Burocratas e cervejeiros tentam definir o que é uma gelada
Por Luiz Henrique Ligabue
O dia começou cinza e frio. A chuva rala concedia uma atmosfera solene à terça-feira pré-carnavalesca em uma Brasília quase deserta. No entanto, o recesso branco dos congressistas era ignorado pelos representantes da eclética comunidade cervejeira brasileira, quechegavam ao auditório do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa para os íntimos.
Eram cerca de cinquenta carecas, cabeludos, barbudos, engomadinhos, executivos, barrigudos, mulheres de salto e de rasteirinha – elas em menor número do que eles –, vindos de todo o país. Alguns se cumprimentavam, paravam para um cafezinho de repartição e logo se sentavam. O clima não estava para uma loira. Os boatos eram muitos, e a reunião, uma pré-audiência para a alteração das bases normativas da cerveja brasileira, prometia amargar.
Ao abrir o evento, a mesa diretora se pôs a esclarecer que os rumores de que o Mapa iria apresentar uma posição pronta, fruto de pressões políticas, eram infundados. Eles estavam ali para escutar, anotar e chegar a um consenso sobre o que é de fato a cerveja. E se você acha que cerveja é uma bebida amarelada, amarguinha, que deve estar estupidamente gelada ao ser sorvida, não sabe o que é cerveja nem o que é Brasília. Quanto à bebida, nem os mestres cervejeiros chegam a um acordo fácil, mas o poder normativo de Brasília já estava bem claro no segundo slide do dia: REVISÃO DO PIQ DE PRODUTOS DE CERVEJARIA – resolução Mercosul nº 14/01, instrução normativa nº 54/01 e decreto nº 6871/2009.
PIQ é a sigla de Padrão de Identidade e Qualidade de um produto, e determina uma instrução normativa, no caso a nº 54/01, que pode vir a alterar o decreto nº 6871/2009 (Lei de Bebidas), que por sua vez tem que ser referendado no Mercosul. Aquela cervejinha gelada que o aguarda no fundo da geladeira só nasce depois que um monte de letras se transforma em parágrafos, artigos e leis, todos cheios de carimbos e assinaturas que levaram meses, ou até anos, para serem “harmonizados” entre si e estarem prontos para ter sua aplicação fiscalizada.
A definição de “cerveja”
Já as discussões sobre a cerveja engasgaram logo no primeiro item do PIQ da IN 54/01, a definição da dita cuja: Entende-se exclusivamente por cerveja a bebida resultante da fermentação, mediante levedura cervejeira, do mosto de cevada malteada ou do extrato de malte, submetido previamente a um processo de cocção adicionado de lúpulo. Uma parte de cevada malteada ou do extrato de malte poderá ser substituída por adjuntos cervejeiros.